Nildo, o chato.

Nildo era um camarada insuportável. Em todos os lugares que frequentava, as pessoas eram obrigadas a aturá-lo para não ter que se aborrecer com algo ainda pior, pois no fundo no fundo, sentiam um enorme desejo de lhe dizer umas verdades.

“Lá vem o mala, nem Jesus aguenta!”, diziam os frequentadores da igreja onde ele congregava aos domingos.

O cidadão era representante comercial e vendia móveis planejados. Conseguia até algum sucesso na profissão, e com isso uma boa renda. Mas no escritório ninguém aguentava a sua chatice. Era um idiota e tinha opiniões equivocadas sobre todos os temas. Se metia em conversas onde não havia sido chamado, querendo sempre dar o seu parecer nunca solicitado. Não por acaso, nos bastidores era chamado de “Chatonildo”.

Se o assunto era política, defendia a volta da ditadura. Se era mulher, tinha namorado as mais bonitas. Se era vinho, bom era o velho nacional de garrafão que ele bebia. Se era viagem, ele havia conhecido os lugares mais bonitos. O velho era um verdadeiro porre!

“Que Europa que nada, bonito mesmo é Nova Friburgo. Não deixa nada a dever!”, disse certa vez para os pobres colegas de escritório.

“Esse negócio de vinho importado pra que? Bom mesmo é o velho Sangue de Boi!” arrematou no outro dia.

Mas o pior de tudo é que ele não tinha noção de sua própria chatice. Se achava o cara mais legal e querido do mundo. Outro dia, na copa falando baixinho, o pessoal do escritório organizava um churrasco as escondidas, tudo pra fugir da presença do inconveniente Nildo. Eis que então o mesmo surge no local e ao perceber o que estava acontecendo, bradou:

-“Churrasquinho no fim de semana? Tô dentro, não precisa nem chamar!”

Saiu da sala dando um tapinha nas costas de Gonzaga, o anfitrião do futuro encontro e um dos que mais o odiavam, que lhe devolveu o gesto com um sorriso amarelo.

No dia do evento, foi o primeiro a chegar e o último a sair. Repetiu diversas vezes o almoço e estava sempre em primeiro na fila da carne esvaziando a bandeja, não se importando com as mulheres e crianças que vinham atrás ansiando por almoçar.

Na bebida, não deu trégua às cervejas. Entornava uma atrás da outra como se aquelas fossem as últimas do planeta. Os pobres colegas mal conseguiam pegar uma latinha.

Lá pelas tantas, já completamente bêbado, começou a falar alto, contando as suas piadas sem graça:

“Vinha vindo uma bichinha...”, dizia ele desfilando preconceito.

“A polícia parou o negão...”, emendava ele esbanjando racismo.

O constrangimento era geral.

O mala era casado com Cléia, que parecia fazer parte do time das que não aguentavam o próprio marido. Dava pena ver a expressão dessa senhora acompanhando o insuportável. A impressão que passava, era que desejava se livrar dele mais do que o pessoal do escritório.

Aos 65 anos, Nildo achou que precisava praticar uma nova atividade, pois queria se sentir jovem e motivado novamente. Procurou uma escola de dança e lá se matriculou para iniciar na modalidade. Na primeiro dia, já chegou dizendo que tinha sido fera nos bailes da juventude, e que a dança pra ele seria fácil.

Logo nas primeiras aulas, queria corrigir o professor e mostrar como fazia o que estava sendo ensinado. Era um tormento!

“Professor, isso aí eu não faço assim não, eu faço assim”, dizia mostrando do seu modo tosco o passo que acabara de aprender.

O grupo era unido, e tentou integrar o velhote estúpido, como faziam com todos. Porém a cada dia era mais difícil aturar as bizarrices dele. Um dos seus péssimos hábitos era o de chegar mais cedo no salão e ficar se gabando com o dito celular de última geração, dizendo sempre que era o mais moderno do mundo.

“Eu já falei com a operadora, se chegar um mais moderno tem que me ligar que eu compro na hora.”

Certa noite, durante uma das aulas, cismou que iria dançar sem camisa para exibir o físico que não tinha:

“Pessoal, hoje vai ser só no pelo hein”, disse ele, para espanto de todos os presentes.

Na hora de escolher a dupla todos fugiam de Nildo. Sobrava ao pobre do professor João a tarefa de encontrar uma parceira para ele. “Tina, quebra esse galho pra mim”, dizia o professor sem graça para uma das alunas.

Outra característica do idoso inconveniente, era de cumprimentar com dois beijinhos maldosos a todas as moças que perto dele chegavam. Ele nunca perdia a oportunidade de tirar uma casquinha das meninas, mesmo que para isso precisasse atrapalhar aos colegas e até mesmo o professor.

“Lá vem o pegajoso!”, comentavam elas entre si.

Além de chato, Nildo era porco e sem noção. Outro dia durante um dos exercícios, deu uma escarrada no chão do salão e continuou a dançar como se nada tivesse acontecido. Na aula seguinte, limpou o nariz na gola da camisa, enquanto fazia um dos exercícios de movimentação, e continuou a bailar com a horrorizada colega.

Certa feita, após uma das aulas, professor João, que já estava sendo pressionado pelos alunos a tomar uma atitude com o mala, chamou Nildo, com muito jeito, pra uma conversa na tentativa de lhe alertar:

-Nildo, veja bem meu amigo, você é um cara bacana mas tem que mudar os seus hábitos. Os alunos estão reclamando muito das suas atitudes, queria contar com a sua ajuda.”

O chato se sentiu ofendido, levantou da mesa abruptamente dizendo que nunca mais voltaria naquele lugar. Na semana seguinte , desiludido com a dança, se matriculou na aula de karatê. Já no primeiro dia, assim que o professor começou a mostrar o golpe, não resistiu:

-”Mestre, esse ai aprendi vendo o Bruce Lee. Eu faço assim oh!” e pulando, deu um chute desengonçado que fez todos que estavam no tatame caírem na gargalhada.

Sem graça, se dirigiu ao vestiário e baixinho falou:

“Nunca mais volto nessa espelunca!”

De decepção em decepção, Nildo foi vivendo os seus dias até a morte, sem aceitar que precisava melhorar como pessoa. Todos que, assim como o professor João, tentaram lhe alertar, foram transformados em inimigos. O inconveniente estava sempre em busca de um novo ambiente para destilar a sua imbecilidade, achando que era vítima, um incompreendido.

Faleceu aos 75 anos, agora em maio de 2020, infectado pelo coronavírus, que julgava ser somente uma “gripezinha”. No dia de seu enterro, estavam presentes somente sua mulher – talvez para se certificar que ele estava mesmo morto- e o coveiro, no cemitério do Caju, localizado na zona portuária do Rio. Quando o caixão foi colocado na cova rasa, os dois juraram ter ouvido uma voz que parecia vir de dentro dele dizendo:

-Que Caju o que, bom mesmo é o São João Batista*!

*São João Batista é um cemitério situado no bairro de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro.

Bruno Dias dos Santos
Enviado por Bruno Dias dos Santos em 11/05/2020
Reeditado em 11/05/2020
Código do texto: T6944117
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