POMBOS

POMBOS

LORENZO GIULIANO FERRARI

Árvores, muitas arvores de copas largas, de galhos retorcidos. Chão batido de areia branca. Entre o pisado e o não pisado uma relva verde rasteira com pedras aqui e ali dispostas numa maneira um tanto proposital. Mesmo as arvores, em linha, com galhos tocando suas vizinhas como duas pessoas que conversam andando sem ter para onde ir, pareciam estar um tanto quanto postas. E aquele granito esculpido, busto de algum não muito ilustre mais que desconhecido ser não vivente, positivamente não deveria tomar espaço de duas árvores.

Bancos, muitos bancos todos de concreto, peça única feita aos milhões em forma de adutora incompleta, espalham-se meio que caoticamente em pares ou sozinhos. Vielas, demarcadas pela cor de areia, separando os verdes, não que menos intencionados tornavam público que aquele busto não era casualidade.

O dia amanhecia querendo ser verão como qualquer dia de outono. Céu de nuvens carregadamente brancas, mas excessivamente azul. Azul que não existia em lugar algum abaixo daquele Céu. Com o amanhecer entraram também em cena alguns personagens do reino animal. Do vegetal e mineral chegou voando o primeiro animal a violar o santuário.

Onde passam a noite, as pombas?

Essa pomba voava com muita intimidade do local. Freqüentadora assídua procurava o galho pôr ela deixada no final do expediente do dia anterior. Como os seres humanos, os pombos e as pombas formam uma sociedade, mais restrita naturalmente, pois quando não comem procriam-se e quando não se procriam se lavam ou então dormem.

Nossa pomba ainda voava, quando adentrou neste sagrado espaço, muitos metros abaixo, um menino de boné‚ dourado carregando dois sacos enormes de pão. Maquinalmente assentou um deles no chão e de dentro deste tirou um saco menor de farelos. Como se fosse um ritual diário jogou o conteúdo em cima das vielas perimetrais. Parece que o menino gostava de jogar farelos perto da banca de jornais que acabara de abrir. O jornaleiro não gostava muito de pombas. Segundos após, menino, sacos grandes de pão, fugindo de jornaleiro com vassoura em punho, com a qual mal tinha acabado de limpar seus exatos cinco metros quadrados, ocupados momentaneamente pôr duzentas pombas. Aquela pomba que voava foi a primeira a desviar do galho para as migalhas. No momento que o jornaleiro pegava a vassoura mais de cem pombas e pombos aglomeravam-se para receber sua cesta básica matinal.

No mesmo instante que o jornaleiro, cansado de sua infrutífera tentativa de captura, voltava, um cachorro pastor alemão já ocupava os mesmos cinco metros quadrados que antes possuía pombas e migalhas e agora tinha cachorro e fezes. O pior de tudo era que embaixo do pé, mais precisamente do sapato daquele senhor de cachimbo que pacientemente lia um jornal no interior da banca, tinha um pouco de fezes dos cinco metros quadrados.

As pombas e pombos esperavam pacientemente nos seus galhos que alguma migalha das migalhas sobrasse para o café da manhã. Não muita sorte teve o senhor do cachimbo que desavisado sentou num banco qualquer de concreto embaixo do galho das pombas e pombos que já haviam tomado o desjejum. Ao mesmo tempo em que o jornaleiro ajoelhado tentava eliminar vestígios, milagrosamente estes mesmos vestígios apareciam na ponta do cachimbo, na primeira página do jornal e no ombro do senhor de cachimbo. A feitora era aquela primeira a chegar. Asterix tinha medo que o céu caísse... Sua cabeça. O senhor do cachimbo compreendeu o porquê.

Para tristeza geral da comunidade pombaística o mesmo jornaleiro varria pela segunda vez as migalhas e as fezes.

Das árvores carregadas de pombas cai frutos não muito maduros.

As pombas que outrora ocupavam galhos agora já estavam no chão e os pombos, nada mais natural, mostravam seus peitos e meio que cercavam as pobres e indefesas, mas não menos submissas pombas. Isso, instantes antes de o jornaleiro varrer o chão, enxotar o cão que com raiva correu atrás dos pombos que nada mais queriam que fazer um leve desjejum, procriando-se.

Ao mesmo tempo em que o pastor alemão mordia a mão do senhor de cachimbo que já deixava o local, duas meninas corriam atrás das pombas que insistiam em ficar no chão. Mas as pombas nem ligavam, andavam pelo chão, pois as meninas, via-se, mal tinham aprendido a andar. Ao mesmo tempo em que uma das mães descobria que tinha se sentado na primeira página do jornal do senhor de cachimbo e a outra olhava para cima, a menina, a mais novinha, de vestido branco de laço azul desequilibrara-se e caíra de cara nos entulhos dos cinco metros quadrados. A menina chorava, pois vestígios tinham deixado metade da cara suja e a mãe não sabia se limpava com aquela primeira página a calça branca, super justinha, que serviria de chamariz para aquele belo, mais ou menos, rapaz de 25 anos, charmoso e elegante que pôr azar estava passando pôr lá, ou a boca da menininha verde-vermelha.

Pombas com penas nas patas é sinal de velhice?

Enquanto a melhor amiga da mãe de calça branca que já neste instante não era mais amiga, pois tinha deixado sua filha em troca do belo, mais ou menos rapaz, de 25 anos, e já tinha tomado a decisão de antes limpar a filha e depois se limpar, saía entrava um cachorro que corria mais que suas próprias patas. Correu tanto que entrou e já saiu.

As pombas continuavam no jogo de come ou deixa ser comida. A primeira página já era parte integrante do busto não muito ilustre. O jornaleiro estava em paz com seus cinco metros. Não muita sorte teve o americano com m quina no pescoço que foi fotografar a mãe e suas duas filhas (assim ele achou), e levou uma bolsada na cabeça, pois a mãe não gostou dele fotografá-la de costas.

As pombas brancas estão cada vez mais raras.

O jornaleiro, que assistiu o choque da bolsa com o americano e pressentiu uma chance de abordagem da mulher de calça branca que a essa hora era marrom, foi de encontro com o americano. Que bom ter geladeira na banca. Duas pedras de gelo resolveram o problema. Mal, foi descobrir na volta que todo o dinheiro da registradora tinha sido roubado.

Escolher um pombo de toda essa turma é difícil.

Pombos se alinham em galho. Árvores impacientes os sustentam.

Cachorro grande passa como se fosse dono do lugar.

Quatro bancos estão tomados pôr mendigos da tarde.

Cidadão gordo caminha com cachorro grande.

Mãe e filha carregam bolsas da mesma loja.

Passarinhos tomam banho de areia.

Cidadão gordo senta ao lado de moça sonhadora.

O gordo já tem sua mão na moça não tão sonhadora.

Moça desiludida olha o relógio e pergunta se o gordo não vai em boa hora.

Jogo de final de tarde. Pombos brincam de pegar pauzinhos.

Moça predestinada deixa gordo fumando seu cigarro.

Banco onde estava o gordo e a moça agora tem dois pombos.