A incrível história de Samantha

A incrível história de Samantha: de secretária executiva à cafetina de luxo

Alexandre Santos *

Samantha era uma mulher especial. Bonita, bem feita, esbelta, charmosa, insinuante, simpática, elegante, inteligente e muito mais. Um tipo perigoso que sabia oferecer, misturar e dosar os encantos conforme a ocasião. Recém formada em administração graças ao Fies concedido pelo governo, era secretária executiva da presidência do grupo Pilgrimm, subordinada diretamente ao próprio Júlio Epaminondas, graças à explosiva mistura de suas próprias qualidades. Não era sem razão o alto salário que recebia. Numa ponta, como funcionária exemplar - Samantha jamais faltava ao trabalho ou deixava serviços pendentes -, na outra [ponta], como qualquer femme fatale, ela distribuía olhares e sorrisos que levavam os marmanjos à antessala do paraíso. Freando entusiasmos e, como efeito subjacente, ampliando o efeito que causava nos homens, Samantha recusava todos os convites, desde os elegantes, que a chamavam para um jantar, até os diretos e escrachados, que falavam em esticar o expediente para que pudessem 'se conhecer melhor, num lugar tranquilo'. Mulher fêmea da sola dos pés aos cabelos que emolduravam o rosto bonito, Samantha aprendera a jogar com o arroubo infantil dos machos, fazendo-os de gato e sapato. Ao que se saiba, ela jamais aceitara qualquer convite, mas, em compensação, também jamais dissera um 'não' definitivo, deixando sempre uma janela entreaberta por onde o DonJuan escorraçado pudesse tentar voltar.

Embora houvesse tempo para tudo, como qualquer mulher, a jovem Samantha sonhava casar de véu e grinalda, ter filhos e formar uma família normal. Mas, primeiro, precisava subir na vida e encontrar o homem certo. Ela sabia da sua beleza, mas, por experiência própria, sabia que isto não era suficiente, pois, de origem humilde, morando em bairro popular, Samantha enfrentava preconceitos irremovíveis. Ela lembrava de que, há alguns anos, quando cursava o primeiro ano da faculdade, chegara a ter um namorico com Mathias, neto mais velho do comendador Antero SouzzaLopez, presidente da Associação Comercial de Nossa Senhora de Valverde. O namoro não prosperou porque, ao descobrir que ela era filha de um simples eletricista, a 'futura sogra', pura e simplesmente, proibiu o romance. "Você não é mulher para um SouzzaLopez, menina", a sogra disparara, caprichando no sobrenome que marcava uma das famílias mais tradicionais e abastadas da cidade. Na época, cedendo à insistência de Mathias, que se dizia apaixonado, Samantha ainda saiu com ele algumas vezes e, também apaixonada, poderia continuar o romance secreto por toda a vida se não fosse a notinha social sobre a nababesca festa de noivado do seu namorado com Inês Pozzoloto, irmã do diretor comercial da Pilgrimm, uma magricela cujo único pendor era a descendência rica e nobre. Só então, Samantha percebeu o preconceito que a acompanhava e, provavelmente, a acompanharia por toda a vida. Aos olhos da elite que, um dia, sonhara ingressar, de nada valia o curso universitário ou um bom emprego, pois nada apagaria a sua origem pobre. Como bem demonstrava o velho Antero - que, diga-se de passagem, não perdia a chance de cortejá-la com propostas chulas (e tentadoras) -, entre os SouzaLopes, mulheres sem pedigree podiam até ser admitidas como 'filial', mas, jamais, como 'matriz'.

Entregue a sonhos de crescer na vida, enquanto planejava fazer uma pós [graduação] para aperfeiçoar os conhecimentos e, quem sabe, tentar outros voos profissionais (talvez, em outro Estado), Samantha passava os dias cumprindo a rotina de trabalhar duro e, ao mesmo tempo, escapar das cantadas de sempre. De longe, [ela] ouvia falar na tal crise gerada pela irresponsabilidade populista do governo, mas, protegida por um bom salário e sem correlacionar a mendicância e a violência das ruas com a questão econômica, de tão entretida no dia-a-dia, não percebeu o agravamento da situação depois do Impeachment da presidente Anita Rastik. Na realidade, ela não percebeu [o agravamento da crise] até o dia que, junto com muitos colegas, inclusive o todo-poderoso gerente-geral Floro Dias, foi demitida.

A perda do emprego foi um desastre na vida de Samantha, não só pela desocupação em si, mas, principalmente, pela falta feita pelo alto salário que [ela] recebia. Começou, então, a Via Crucis em busca de emprego. Em poucos dias, [ela] percebeu que a maré não estava para peixe e, dificilmente conseguiria emprego, muito menos com salário semelhante àquele que perdera na Pilgrimm. Na realidade, ao invés de convites para trabalho, Samantha recebia muitas e muitas cantadas (como sempre acontecera por toda a vida).

Em poucos meses, à despeito da parcimônia como passou a fazer despesas, a poupança de Samantha não resistiu aos primeiros meses, se esvaindo perigosamente. Sem qualquer perspectiva de emprego, ela viu bater o desespero. Cinco meses depois, já sem reservas, ela jogou a vergonha de lado e, como tantas tinham feito antes, passou a dirigir Uber. Embora nem de longe oferecesse remuneração parecida com o antigo salário na Pilgrimm, foi graças a Uber que Samantha descobriu a atividade, inicialmente complementar, que, à despeito de não ser aquela sonhada para si, lhe proporcionou renda compatível com sua expectativa.

Tudo aconteceu por acaso.

Numa tarde, ao responder chamada num dos bairros mais ricos da cidade, Samantha reencontrou o comendador Antero SouzzaLopez, presidente da Associação Comercial e avô de Mathias, seu antigo namorado. O milionário a reconheceu de imediato e, como das outras vezes, sem perder tempo, depois de elogiar o seu corpo [o corpo dela], disse que daria qualquer coisa para tê-la por inteiro. Fazendo o charme de sempre e, desta vez, sem rechaçar a mão-boba que tocava as suas pernas, Samantha ainda relutou um pouco, mas, depois, lembrando o monte de contas por pagar, terminou cedendo e, antes de deixá-lo em frente à Pilgrimm, sua antiga empresa (onde, provavelmente, o velho tarado contaria a aventura ao antigo patrão, destruindo sua reputação e, em compensação, fazendo propaganda dos seus novos serviços), o levou ao paraíso. Foi assim que Samantha, moça de família (pobre, porém decente), bacharel em administração de empresas e ex-secretária-executiva da presidência da Pilgrimm, um dos maiores grupos empresariais da região, ganhou seus primeiros mil reais na prostituição. Ela nunca mais esqueceria daquele dia, pois, além de marcar seu ingresso na nova vida, fora aquele no qual, relaxado por uma tarde de prazeres, o Dr. Antero SouzzaLopez, seu primeiro cliente, fora assassinado ao reagir a um assalto. Depois que se vendeu pela primeira vez, Samantha perdeu os escrúpulos e abraçou a nova profissão como se fosse outra qualquer. Pouco a pouco, impulsionada pela propaganda boca-a-boca, Samantha passou, gradualmente, a atender número maior de clientes, dedicando menos tempo à Uber, até, depois de estruturar um extenso portfólio de clientes, abandonar definitivamente a carreira de motorista e dedicar-se integralmente ao seu novo affair.

Tempos mais tarde, já estabelecida como próspera cafetina, dona de uma vasta rede de meninas recrutadas em boas famílias abatidas pela crise, Samantha lembrou que, depois de ter feito vontades secretas de gente importante - seu diário registrava o deputado Breno Simões, o ex-gerente-geral da Pilgrimm Floro Dias (que, segundo soube, suicidara-se dias mais tarde), o diretor de vendas Felipe Pozzoloto, o engenheiro PauloSérgio (que, também desempregado, lhe confessara querer sair definitivamente do País), e muitos outros - e, claro, ganhar muito dinheiro, [Samantha] pode escolher clientes, desdenhando aqueles que lhe pareciam pouco interessantes. As páginas mais íntimas do diário contavam como, de nariz em pé, depois de espezinhar tudo o quê pode, ela desprezara os cinco mil reais oferecidos por Mathias SouzzaLopez, seu antigo namorado, primeiro homem, neto do primeiro cliente e que, segundo pensava, fora o responsável pela nova vida que levava.

* Alexandre Santos é ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural