A profissão de ser eu

Sempre escrevi em busca de fruição. Antes, é claro, não sabia que essa era a palavra bonita que os intelectuais usam para

nomear ações que descarregam as emoções. Faz mais de um ano que não escrevo e, talvez por isso, tenho crises existenciais

cada vez mais fortes. Hoje, eu voltei. Vim vomitar o sentimento confuso que carrego em meu peito. Nunca entendi a divisão

das profissões e muito menos a valorização de algumas em detrimento de outras. Não entendo as diferenças salariais, o status

social que cada uma carrega, porque, afinal de contas, se elas existem, são igualmente necessárias à sociedade. Besteira,

Natália, não pense nisso. Não vale a pena. O que conta mesmo é o salário - eles disseram. Hoje sinto que os caminhos que

escolhi e até mesmo os que não escolhi, não serão fáceis. Nasci mulher, não-branca, pobre, de escola pública e, para completar,

optei em fazer licenciatura. Mas você tem paciência para ser professora? Ganha pouco - eles, novamente, disseram. Embora

tudo isso, vou além. Ultrapasso expectativas e sigo caminhos difíceis, porém, únicos. Quero ser muito, quero ser tudo,

não quero ter que escolher nem me fixar em algo que não me caiba mais amanhã ou depois. Como eu disse, não é fácil, mas

se fosse, todos conseguiriam. Faça o que você gosta - advinha quem disse? Mas eu gosto de tudo um pouco. Concordo que é

difícil aceitar que eu não caibo em limites criados pela sociedade. É muito para cabeças pequenas. Mas eu sou assim e

não abro. Talvez, a profissão mais desafiadora de todas seja ser eu e por isso não posso me dar ao luxo de recusá-la.

Natália Fonte Boa
Enviado por Natália Fonte Boa em 19/05/2020
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