O choro que não sai

O choro que não sai

Saiu na chuva fina, soluçando o choro que não consigo chorar. Saiu sem dizer “Eu te amo!”

Sei dos egos que nos envolvem, dos medos que carregamos com cada cicatriz deixada por tentativas e erros.

No caminho vai pensar em se desfazer de mim, mover para lixeira e esperar pelo tempo que o sistema determina para que não mais se recupere o lixo jogado fora. Talvez não faça isso.

Esse cheiro de fim no ar. O amargo na boca, que hoje pouco sentiu os beijos. Esse primeiro “tanto faz” seguido de um “faz tanta diferença”: Nós que minha garganta produz.

A mensagem chega.

Já está em casa. Vai pensar em silenciar, deixar passar, esperar que o fim do inverno apague o fogo. Não dirá que acabou, mas acabará tudo no mesmo silêncio com que o dia se vai e a noite vem, com a mesma suposta indiferença com que a noite vai e o dia vem. A continuação pode ser um fardo. Não para mim, ou nem sei se para mim.

Pensei em como a gente vai se olhar nos corredores, se tudo acabar. A universidade é grande, um universo de faces, cada qual com seu universo. Mas os horários se chocam, as pessoas se olham, se encontram sem querer. Mas pensei mesmo, em como vai ser, já que a vida é esposa do tempo e com ele segue, como vai ser se eu tiver que ver o beijo apaixonado, o sorriso carinhoso, a fala mansa que abraça as inquietações e os afins, sendo dirigidos a outra boca, outro olhar, outro ouvido e afins? Fujo desse pensamento.

Me disseram que o choro alivia. Reclamo que o choro me abandonou. A gente sabe disso, eu já repeti várias vezes. Mergulhar nessa exposição de sentimentos aprisionados, confusos e dolorosos, pode mesmo resultar numa mente lavada. Limpa, revigorada e decidida, saberá então como lidar com as coisas. Mas eu não choro a meses, por motivos amorosos eu não choro a anos. Não é que não amo, é que o choro não sai. As dores são secas e por isso potencializadas.

O grafite na base de um prédio abandonado traz aos meus olhos cores várias. Eu, até esse ponto, só enxergava em preto e branco, letras miúdas e não grandonas como na base desse prédio abandonado.

Provavelmente vai deitar na cama e chorar (coisas que não consigo, nem deitar, nem chora). Olhando o forro do teto, entre soluços, lenços de papel ou papel higiênico, os pensamentos mais destruidores vão bater na cuca. Mas bater como um nazista bate num judeu, no meio da madrugada, numa rua abandonada onde ninguém além deles escolheria passar.

Lembrei do Sant: Vai doer, vai doer e vai sarar filho/ Vai doer, vai doer e vai sarar filho/ ninguém se importa com as suas dores no caminho/ mas tu caminhou sozinho/ foca em não sair do trilho. O grande problema é até lá. Sarar é a certeza que o costume me trouxe.

Lembrei do Detonautas: Se minha mente virasse o sol/ mas só chove, chove, chove... Tá chovendo muito, tempo frio e chuva fina, o clima propício aos definhamentos sentimentais.

Lembrei do Racionais: O que é? O que é?/ Clara e salgada/ cabe em um olho/ e pesa uma tonelada? Lembrei porque preciso me livrar de várias toneladas e não consigo chorar. A cabeça dói.

Saiu sem dizer “Eu te amo!” Sem perguntas, sem respostas. Em casa, longe da minha visão, deve pensar: eu sair sem dizer e também não ouvi “Eu te amo!” Mas eu (eu quem escreve aqui) amo, existe amor lá também.

Escrever me alivia. Me sinto aliviado. Constato, no entanto, que escrever sobre a dor que se sente dói mais que senti-la, senti-la não cura. Tem dores que não se curam, as amorosas não são dessa classe. Deve estar pensando nisso também. Não quero acreditar que só eu penso assim. Seria uma injeção de adrenalina num solitário hiperativo.

O que vamos nos dizer mais trade, depois da chuva?

Não sei. Quando a internet voltar, a vontade de falar bater, algo gritar por solução, saberemos erroneamente o que dizer, ou parcialmente o que dizer.

Nesse instante, só penso que ela saiu na chuva fina, soluçando o choro que não consigo chorar. Saiu sem dizer “Eu te amo!”

Neuronêgo