Conto das terças-feiras - Um dia de pandemia no Supermercado

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 28 de julho de 2020

A pandemia tem sido rigorosamente monitorada pelas prefeituras e governos dos estados. Ambas instituições seguem as recomendações da Organização Mundial da Saúde, porém com protocolos próprios, embora muito semelhantes. Os principais aspectos inseridos nesses documentos alertam para a propagação rápida do Coronavírus. Para isso, elencaram procedimentos a serem adotados pelas pessoas, mesmo as não infectadas: higiene frequente das mãos com água e sabão ou álcool 70%; evitar tocar olhos, nariz e boca sem higienização adequada das mãos; evitar contato próximo com pessoas doentes; cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar, com cotovelo flexionado ou utilizando-se de um lenço descartável; ficar em casa e evitar contato com pessoas quando estiver doente; limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com frequência, e, usar máscara.

Comportamo-nos rigorosamente dentro da lei ou portarias, por estarmos incluídos no grupo de risco, maiores de 60 anos. Em nossa casa ficamos três meses, literalmente encarcerados, saindo apenas uma vez, para sermos vacinados contra a H1N1. Foi um sufoco, solicitávamos nossas refeições por aplicativos, lavando todas as sacolas e embalagens que acondicionavam mercadorias. Usávamos máscara até para irmos apanhar, na portaria, qualquer encomenda que nos chegava. Graças a Deus suportamos tudo dignamente.

No primeiro dia que precisamos ir ao supermercado, levei um bruto susto. Havia fila para entrar no estabelecimento e também um segurança medindo a temperatura dos entrantes e outro espargindo álcool nas mãos dos fregueses. Ninguém entrava sem máscara, embora alguns tentassem forçar a barra. Achei até que já tinha visto aquela cena em filmes da Segunda Guerra Mundial. Fiquei preocupado, mas mesmo assim, a necessidade me fez criar coragem. Fui para a fila, tentando manter a distância social, propagada pelos meios de comunicação. Nem todos respeitavam, nem havia alguém para manter a ordem estabelecida.

Após vinte minutos na fila, consegui entrar. Embora houvesse controle na entrada, tinha muita gente lá dentro, não havendo como respeitar a distância de dois metros exigida pelas normas. Algumas pessoas, mesmo de máscaras, as usavam baixadas e penduradas ao pescoço. Um funcionário do mercado se comportava assim. Quando o adverti, ele se corrigiu.

O pequeno espaço do supermercado levava as pessoas a se baterem constantemente, alguns nem se preocupavam em se esquivar. Comecei a separar o que necessitava, pelos balcões de exposição das verduras. Sempre guardava a devida distância, enquanto outra pessoa estava escolhendo suas mercadorias. Quando a pessoa se afastava, eu encostava e passava a escolher o que precisava. Ao escolher tomates, uma senhora se aproximou bem perto de mim e falou:

— No seu Paulo, do mercadinho da esquina, o tomate é bem mais barato.

Fiz que não estava entendendo, ela se chegou mais próximo e repetiu o que não me interessava ouvir. Afastei-me um pouco e ela insistiu, chegando mais próximo a mim. Ela não entendera que o meu afastamento era para respeitar o distanciamento. Eu usava máscara e luvas, ela só máscara, mas rebaixada até o pescoço. Nisso, apareceu outra pessoa, também idosa, e os dois me fizeram de sanduíche, isto é, imprensaram-me entre eles, os dois fazendo suas escolhas. Pensando rápido, comecei a tossir. Os dois, olhando para mim com cara feia, depressa se afastaram. Eu não estava doente, nem com tosse, foi só estratégia para afastá-los. Deu certo e comecei a aplicar esse golpe quando alguém estava muito próximo a mim. Consegui fazer minhas compras tranquilamente.

A única curiosidade que percebi, foi que todas as pessoas que eu conseguira afastar de mim, ao perceberem minha chegada, passavam rápido para o outro corredor de gôndolas. Como o supermercado não era grande, sempre estávamos a nos encontrar. Só usei esse expediente três ou quatro vezes.

Quando cheguei à fila de um dos caixas, aquele com menos gente, as pessoas à minha frente não se incomodaram, pois eu guardava distância delas. Ao olhar para trás, percebi que não havia ninguém, enquanto nos outros caixas a fila estava grande. Tive a impressão de que alguém espalhara que eu poderia estar com Covid-19. Foi o dia de compras de supermercado mais tranquilo que eu já tivera. Além de estar livre de ser contaminado pelo coronavírus.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 28/07/2020
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