Uma pequena felicidade que se fez grande

Imagino que muitas pessoas sonhem em fazer um dia uma viagem para um lugar paradisíaco. Porém, determinar o que é um paraíso, neste caso, é bastante relativo, pois depende de muitos fatores. Basta pensar no que faz uma viagem ser boa. Começa pela disposição física, disponibilidade de tempo, condição financeira e, claro, o que dá prazer aos viajantes. Algumas pessoas valorizam o campo, outras a serra ou o mar. Outras ainda há que preferem os esportes radicais, como voar de balão ou fazer uma trilha de ciclismo ou de hiking que dure 8 horas em um dia.

São incontáveis as formas de classificar um lugar como paradisíaco. Podemos até concluir que ele está em nossa própria casa – situação que seria bem recomendável nos dias atuais.

Mas, se a meta for uma viagem real, um primeiro objetivo pode ser começar procurando o tal lugar por indicações de outros viajantes. É só darmos uma Googlada ou irmos a uma agência de turismo para conhecer diversas opiniões. Ou pesquisarmos revistas de turismo.

Sou da natureza. Gosto de trilhas – não muito longas! De andar de bicicleta – sem muito excesso! De fazer montanhismo – sem grandes altitudes! De nadar em piscina, mas também em mar – desde que não muito profundo! Bem, digamos que sou uma esportista “seletiva”. Mas o que gosto mesmo, mesmo, é de furar ondas, nadar nágua salgada e sentar de frente para o mar, olhando o vir-e-ir, ir-e-vir, vir-e-ir, ir-e-vir... das ondas. Isso mesmo, recomeçando, vir-e-ir, ir-e-vir, sem parar, sem hora para terminar, sem interrupção. Resumindo, o paraíso, para mim, deve ter uma boa dose de contemplação e reflexão.

Assim foi que, ponderando os diversos fatores, lá pelos idos de 2004, eu e meu marido escolhemos uma viagem para Fernando de Noronha. Parece que é só falar dela que a gente já ouve suspiros e vê a cara de melancolia ou de fantasias que essa ilha causa nas pessoas. O mesmo valia para nós.

E não é que, ainda hoje, ela me traz imagens vívidas de férias maravilhosas e de inesperada gratidão, sensação de estar viva, emoção infinita? Oras, a sensação de estar viva, basta que tenhamos prazer, de certa forma. Mas por que entram aqui tais coisas como “gratidão” e “emoção infinita”?

É aí que essa viagem veio a significar o meu paraíso particular, uma pequena felicidade que recupero frequentemente desde então. Ainda ouço o guia turístico que nos acompanhava: primeiro, recomendações estritas de não fazer mal à natureza.

“Barulhos? Jamais! Violência? Impensável!”

“Preparem-se com segurança, nada de amadorismo. Snorkel, nadadeira e nada de ficar em pé depois de mergulhar. A segurança, em primeiro lugar, tem que ser a dos seres marinhos e da natureza neste santuário!”

E para nós, turistas: “Calma, o tempo é infinito, aqui se vive devagar, não há táxis ou horários a cumprir. Entre nessa experiência de mente aberta e corpo relaxado. Veja e ouça. Sinta, aproveite!”

E lá vou eu. Tudo começa com o mergulhar e o movimento flutuante do mundo ao meu redor e, de repente, o silêncio que começa mudo, mas depois soa, fala comigo, sussurrando. Em meu íntimo, faz coro com imagens de coloridos multivariados, intensos, leves, quase brancos. Carmins, rosa claro. Amarelo ouro, amarelo pálido. Branco e preto. Verde, verdes da flora, verdes da fauna. Tons pastéis, tons intensos, enfim.

Meus olhos brilham, meu coração se acelera, meu sorriso aflora de boca fechada, para não engolir água. O sol chega se unindo ao silêncio e às cenas. Seus raios fazem os tons variarem ainda mais. As sombras os acompanham, as cavernas parecem temerosas, mas os seres que ali passeiam não me alertam para isso. Ao contrário, atiçam minha curiosidade. Se eles falassem, diriam: – Venha, não tenha medo, aproveite conosco.

De fato, eles me convidam a aproveitar com eles. E vou!

Acho que também apreciam o silêncio, as imagens, os raios de sol e as sombras, assim como seu meio natural: a água límpida, seus amiguinhos que seguem em grupos, cada qual com seu colorido particular. Eu flutuo, receio que se assustem, mas eles me indicam a paz. Eu respiro cuidadosa e silenciosamente. Nado devagar, tão suave quanto ouso me assemelhar a eles.

Sou peixe, nasci peixe, cresci peixe, olho o mar, as águas, afora o medo da escuridão de rios e mares profundos, o flutuar me acalma, me traz suavidade, comunhão com a vida e a natureza. Chego à gratidão fácil, fácil. Mas a emoção infinita, só recupero quando recomponho esse pequeno paraíso, resgatando de minha memória a benção de nadar com peixinhos destemidos, companheiros, seguindo-me e eu os seguindo, naquele meio em que eu não esperaria encontrar tal cumplicidade.

Então, os tons se abraçam. A água, azul céu. O sol, luz cristal. Os peixes branco e preto, com bolas ou listras, os azuis e amarelos, os grandes, os pequeninos, os marrons, os pretos, os furta-cor, uma miríade de cores e formas que me leva a outra miríade que até hoje me arrepia, a de sensações e emoções.

Esse resgate de memória faz parte de meus melhores momentos de meditação. Termino feliz e em paz. Parece que foi ontem... Saio do transe. Não, não foi ontem, mas se expandiu a partir dele. Transformou-se em meu dia a dia construído na paz dessa grande pequena felicidade, por meio de pequenas doses de meditação em que visualizo essa realidade experimentada há longo tempo num paraíso.

Rebeca Maya

Jul/2020

Rebeca Machado Maya
Enviado por Rebeca Machado Maya em 29/07/2020
Código do texto: T7020638
Classificação de conteúdo: seguro