Baby

No cair da tarde de sexta-feira, estava em casa lendo, quando meu esposo entrou e falou:

-Tem um rapaz vendendo uma caturrita novinha.

Fiquei chateada no momento, pois sou da opinião de que não se deve vender animais silvestres.

Mas mesmo assim, pedi para ver o bichinho.

Ele foi ao portão e voltou com a pequena ave na palma da mão.

Quando vi a criaturinha fiquei comovida, era gordinho e com penugens apenas na ponta das asas e rabinho, era tão novinho que sua pele chegava a ser transparente. Eu então falei:

- Aha, mas e apenas um filhotinho.

Quando ele ouviu minha voz, ergueu o pescocinho e deu um pio tão triste e sentido, que juro ter ouvido um pedido de socorro.

Contrariando o bom senso e ate mesmo a lei, que proíbe o comercio de animais selvagens, compramos o filhote. Antes perguntei ao humilde rapaz, de onde havia pego o pássaro, ele respondeu que retirara de um ninho grande na reserva indígena, já tinha vendido todos os outros e este ninguém queria, pois era o mais fraquinho.

Paguei, não sem antes fazer um discurso sobre quanto era prejudicial e desumano tirar os bichinhos de seu habitat. Não sei se adiantou alguma coisa minha fala, pois o rapazinho parecia desamparado como o pássaro.

Agora precisava cuidar para que a ave conseguisse sobreviver, com ela na palma da mão, batizei com o nome de Baby.

O primeiro desafio era fazer com que Baby se alimentasse e resistisse àquela noite fria sem sua mamãe, seus irmãozinhos e seu ninho aconchegante. Ele era tão frágil que nem acaricia-lo, era possível.

A única coisa que eu podia fazer, era segura-lo na palma da mão e encostá-lo no peito para que sentisse um pouquinho de calor de um ser vivo. Baby comeu papinha de farinha de milho, bebeu água na colher e dormiu exausto em meio a retalhos macios em uma pequena caixa de papelão. Eu e meu esposo levantamos durante a noite para ver se ele estava vivo e bem e Baby estava.

Como era final de semana me dediquei a cuidar do filhotinho. Logo notei que ele possuía uma vontade enorme de viver.

Em poucos dias o corpinho de Baby estava coberto de penas novas, e ele estava crescendo muito saudável. Comia vorazmente frutas e sementes. Não podia mais ficar na caixa, encontramos uma velha gaiola em nosso quintal, para que ficasse seguro quando não estivéssemos por perto. Mas como crescia muito rápido e precisava de espaço para se desenvolver, tivemos que pensar o que fazer.

Eu ainda segurava ele, nas mãos e conversava, como se fala com um bebezinho e cantava baixinho I love you baby, ele escutava atentamente fazendo movimentos com a cabeça.

Adaptamos parte de um pequeno galpão nos fundos do quintal, criamos um lugar espaçoso com tela reforçada, para que Baby ficasse junto a natureza durante o dia. Todas as noites, o levávamos para dentro de casa para que ficasse quentinho e protegido de algum predador noturno. Dava uma trabalheira danada.

Os dias foram passando e Baby crescia rapidamente suas penas eram brilhosas, acho que tinham uns 50 tons de verde, algumas levemente douradas, outras azuladas. Estava ficando muito lindo, tinha um ar selvagem me olhava atentamente e... maravilha das maravilhas começou a falar. Repetia insistentemente BabyBabyBaby.

Meus filhos vieram de outra cidade onde estavam estudando. Primeiro me repreenderam por comprar o bichinho, então expliquei a eles a situação que o filhotinho estava quando chegou, se eu não tivesse feito isso provavelmente teria morrido. E contei meu plano ultrassecreto. O plano era que eu iria criar Baby até ele ficar grande e forte depois eu o soltaria para que vivesse livre na natureza, de onde nunca deveria ter sido tirado.

Eles não ficaram muito convencidos da minha determinação. E eu mesma fiquei pensando de como faria para desapegar do meu filhinho de penas.

O dias foram passando quentes e ensolarados, outros chuvosos e Baby cada vez mais grande e lindo.

A tardinha quando chegava do trabalho, logo ia ver como ele estava. Chegava de mansinho sem fazer barulho, para observar sem que ele me visse.

Aproveitava para analisar seu comportamento. Geralmente Baby estava em uma atividade frenética, voando para todos os lados, bicando a tela da gaiola,acredito que estava se exercitando, quando me via parava tudo e me olhava com ar desconfiado. Então eu falava com ele, e Baby respondia com gritos estridentes no inicio, depois que se acalmava um pouco, eu dizia:

- Calma Baby, você esta muito bonito. Eu estava com saudades. I love you Baby.

Ele então falava como uma criança:

- Baby muito bonito. Baby bonito. Saudades, saudades...

No decorrer dos dias começaram a aparecer bandos de caturritas iguais a ele. Quando eu me aproximava, levantavam voo em grande algazarra. Outras vezes elas ficavam camufladas, quietinhas em meio às folhas verdes das árvores observando, até que alguma fizesse um barulho e eu percebesse que estavam ali.

Analisando o tamanho do Baby em relação as caturritas que vinham visita-lo, percebi que ele provavelmente tinha atingido seu tamanho máximo, parecia ser maior que elas. Cheguei a conclusão que estava na hora de soltá-lo. Mas e cadê coragem?

Fiquei alguns dias angustiada, tentando acostumar com a ideia e preocupada pois, não poderia demorar muito.

Uma certa manhã levantei bem cedo, não tinha mais sono. Abri a porta e sai para observar o nascer do sol, antes do café. O dia começava radiante e os passarinhos festejavam ruidosamente o amanhecer.

Quando entrei na cozinha fui ver Baby em sua gaiola, ele parecia maior, as penas estavam mais coloridas e ele me olhava atentamente, pensei que já deveria ter soltado. Disse bom dia pra ele e fui preparar o café. Quando me afastei ouvi um barulhinho de metal, voltei e olhei a precária e velha gaiola, parecia tudo certo. De repente ouvi um farfalhar de asas e vi Baby voando pela porta em direção ao alvorecer e a liberdade. Corri para fora e gritei quase chorando:

- Volte Baby.

Ele era mesmo uma criatura especial. Deu meia volta e passou em minha frente gritando:

- Baby bonito. Baby saudades.

Fiquei impressionada e comovida. Ele subiu voando na manhã dourada, pleno, suas lindas penas brilhavam ao sol. Era sua hora de ser livre e viver com seus iguais.

Tomei meu café afogando alguns soluços e parti trabalhar. Estava triste e feliz por Baby ter ido embora. Ele soube a hora certa de se libertar.

Durante muito tempo Baby aparecia em algumas tardezitas me visitar, pousava com seu numeroso bando em alguma árvore no quintal e gritava:

- BabyBabyBaby.

Deixávamos sempre sementes e cereais em cima da galpão onde ele viveu. O bando enchia o papo e depois partiam felizes e barulhentos.

E eu falava enquanto apreciava o voo das lindas aves:

- I love you Baby.