Palavras Reais

Saía do castelo marrom todos os dias a Rainha Nogueira III ou, para os mais próximos, Clodoalda Matias Nogueira, a Clô, bondosa Clô...

Era assim pontualmente às 6h todos os dias.

Nos fundos de seu castelo preparava um verdadeiro café que em breve seria servido ao seu reino com todas as honras que julgava seu povo merecer.

Ensinava assim seu filho Dom Manuel a obter humildade para, no futuro, assumir o trono e dar continuidade àquele exemplo monárquico.

Era vaidosa, sentia uma intensa felicidade ao vestir-se com a manta vermelha de bordas douradas e por último, com toda a sutileza, colocar a coroa reluzente em sua cabeça e assim, pronta, charmosa e bonita ia distribuir pessoalmente o café.

Todos do reino se deliciavam com o banquete e em pouco assumiriam seus postos, mantendo a classe típica e pura, como deve ser.

Às 9h, a rainha Nogueira III pedia aos súditos que abrissem o gigante portão de ferro para que a rainha saísse pessoalmente a arrecadar os impostos não obrigatórios, mas espontaneamente pagos por seu povo, lisongeados pela oportunidade de ver pessoalmente a rainha que, carregada de boas histórias, animava seus dias e contribuia em suas vidas. Diferente de outros reinos em que o rei distante mandava arrecadar à força os impostos.

Assim sentia-se Clô a rainha mais justa e querida do mundo, indo ao último cidadão recolher o imposto...

Dr. Almeida não acordara bem naquele dia, pois o banco descontara indevidamente de sua conta alguns míseros reais e sua filha no dia anterior chegou tarde em casa com seu novo namorado, não apresentado ao pai por recentes histórias mal sucedidas e sem grande importância.

Naquele dia, viu no farol se aproximar uma velha enrolada num cobertor vermelho imundo, com detalhes dourados quase pretos e uma panela bem ariada na cabeça, que feliz acabara de arrecadar de um bondoso senhor o suficiente para alimentar seus súditos famintos no albergue naquela noite. De tão feliz, não viu o farol abrir e foi passando na frente do importado de Dr. Almeida, que cantando pneus desviou o carro para outra faixa à direita, sem olhar que vinha um pesado caminhão que o desmantelou:

- Que Deus te acompanhe meu filho!

Foram as palavras reais de nossa majestade...