O vendedor de mariolas.

Seria o meu primeiro dia, nunca tinha feito aquilo. Sempre tive patrão e trabalhar para mim mesmo seria um desafio. Meu amigo Neto me incentivou, já faz tempo que ele vive assim. Sobrevive financeiramente com esse trabalho, então porque eu não conseguiria?

Vou fazer como ele me ensinou. Quando o ônibus parar no ponto e as pessoas descerem entro pelas portas. De preferência a do meio, aí vou até a roleta e ofereço meu produto e ando até o fundo do ônibus.

Lá vem um. Vamos lá, coragem!

O motorista me viu. Parou bem antes do ponto para eu não entrar. Vou correr. Não deu tempo. Espero o próximo. Comigo uma caixa com cinquenta mariolas.

Passam cinco minutos e aparece um novo coletivo. Não parou. Desse não ia descer ninguém.

Mas vem outro. Agora vai dar. Consegui entrar pela porta do meio.

Já ia anunciar quando vi no fundo um vendedor com mariolas. Estava fácil demais. Lógico que teriam concorrentes. Desci no próximo ponto.

O tempo ia passando e eu na rua com cinquenta mariolas. Mas não podia desistir. Tenho um filho recém nascido que precisa de mim. O sol começa a esquentar.

Lá vem outro ônibus. Entrei. O motorista não deixou eu vender. Parou o ônibus e mandou eu descer. Neto havia me falado que alguns fazem isso, afinal é proibido, mas eu não estava prejudicando ninguém, apenas tentando ganhar algum dinheiro.

Depois de um tempo consegui entrar em outro ônibus, mas por algum motivo ninguém quis comprar nada. Desço que ainda tenho uma caixa de mariolas pra vender. Será que o problema está no produto? Não. Ainda tenho tempo. Vou consegui.

No ponto havia uma mulher com uma criança. Era minha oportunidade:

_ Bom dia senhora! Mariola?

Nem olhou na minha cara.

Lá vem mais um ônibus. Tomara que desça alguém. Parou para a mulher subir. Não ia descer ninguém. Fiz sinal para o motorista abrir para eu fazer meu trabalho e fui ignorado com gosto.

Outro ônibus enfim, lá vou eu. Entrei . Um evangélico pregava. Pelo jeito não ia acabar tão cedo. Se eu esperar posso me atrasar, não dar pra oferecer com ele gritando. Melhor tentar outro bus. Desci.

Já estava meia hora na rua e comigo ainda a mesma quantidade de doces.

Enfim um ônibus. Vou correr. Entrei. Nenhum vendedor. Vou oferecer meu produto.

Mas porque as pessoas sorriem? Sempre estão sérias . Me deixa observar. Do lado direito numa das cadeiras uma mulher com duas crianças, uma no colo, comia mariolas. No lado esquerdo um casal no fundo também comia. Fiz a pergunta já sabendo a resposta. Havia acabado de sair um concorrente dali. Tentei não desanimar, mas saí cabisbaixo do coletivo.

No ponto refleti. Alguma coisa estava errada. Por duas vezes peguei concorrentes com o mesmo produto. Tinha que fazer algo.

E se eu mudar a direção? Pegar os ônibus que estão voltando? É isso! Atravessei a rua.

Depois de três minutos passou um ônibus e consegui entrar. Mas estava lotado. Nem sair da porta consegui. No ponto que abri eu desço e pego outro. Não posso desanimar.

O busão ia. Ninguém descia. Eu com a caixa na mão. Nem me olhavam. Deram sinal. Ufa! A porta vai abrir eu vou descer.

Então desceram comigo algumas pessoas. O bus continou cheio. Uma senhora que estava no mesmo coletivo, mas havia descido pela outra porta me chamou. Fui até ela. Perguntou o que eu vendia. Respondi já falando o preço. Ela abriu a bolsa procurando algo. Achou uma moedas. Contou. Me pediu três mariolas.

Que alegria, minha primeira venda. Meu dia havia começado. Ânimo renovado.

Agora só faltam quarenta e sete...

Gil Ferraz
Enviado por Gil Ferraz em 05/09/2020
Reeditado em 24/11/2020
Código do texto: T7055133
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