Hora de subir

Minha mãe estudava à noite e tínhamos que subir (morávamos em prédio) às 18h, antes do horário dela sair. Era uma infelicidade porque, naquele horário, muitas crianças ainda podiam continuar brincando lá fora e nós que nos contentássemos em invejar seus gritos de felicidade, do terceiro andar de nosso prédio, enquanto assistíamos “As aventuras de Babar”, “Doug Funny” e o “O mundo de Beckman” pela televisão. Mas o fato é que uma hora os programas infantis acabavam e, então, já se sabe: cabeça de criança vazia, oficina de brincadeiras fadadas ao insucesso.

Numa dessas noites, depois de assistir aos programas noturnos, meu irmão e eu calçamos nossos pares de meias e resolvemos brincar de deslizar pelo carpete de madeira super encerado da sala. Pegávamos impulso na corrida de uma ponta do corredor e íamos deslizando até a outra ponta. Cada vez mais rápido. Mais emocionante. Ultrapassando limites! Uma, duas, três... muitas vezes! Até que aconteceu. Nossos olhos arregalaram ao mesmo tempo e meu coração, já acelerado pelas corridas, parecia que ia saltar do peito diante da certeza do que acontecera. Caminhamos até o local da tragédia e lá estava: no piso, faltava um naco de madeira que se enganchara em nossas meias deixando aquela falha que, não havia dúvidas, da porta da sala, sua visão seria mais ágil que seus passos e, antes mesmo de colocar o primeiro pé dentro de casa, ela, nossa mãe, enxergaria. E o sentimento de ansiedade pelo momento em que ela perceberia o estrago no piso ficou de tal forma na minha cabeça, que, confesso, nem me lembro se houve algum tipo de castigo quando ela de fato viu. Embora alguns gritos a gente deve ter escutado. Não tenho dúvidas. Mas disso talvez os vizinhos se lembrem melhor.