Ainda vivo. Em sonidos; apenas vivo

Neste exato instante ouço sonidos. A respiração que mata o silêncio insiste incessantemente em trabalhar. Guarda sob milhões de chaves o momento em que decidirá não mais cumprir com seu serviço. Não consigo descobrir de onde ela extrai pingos de força dentro de poços de fraqueza. Mas ainda me concede esse dom. Ainda em mim, mora algo chamado vida.

Escuta-se junto dela, o grito que escorrega da ponta de um pedaço de madeira -que fortemente amarro entre meus dedos- onde algum dia, ecoou junto à natureza. Entretanto, me têm significativa importância. Através dele entrego-lhe esses miúdos sentimentos mal-acabados que vivem -ou não- esclerosados. Mas vivo.

Caçador que sou, procuro dentre murmúrios alguma parte em vida -deserta que fosse- onde na escuridão de súbito, reluzisse o clarão que me servisse de caça. Que fosse suficientemente aceitável sob aquilo que incessantemente busco. Mesmo sem saber seu paradeiro, sua significância. Sou um mero caçador à procura da caça.

As pupilas num redondo, fundo e cego buscam encontrá-la num lugar onde ainda não descobri. Algumas vezes, percebo chegar perto, mas sou incapaz de possui-las. Agonizo-me. Sufoco tão insuportavelmente que suplico a presença daquilo que completaria e traria-me novamente os pedaços faltantes para preencher este deserto. Apesar de saber que nem olhos, nem visão, tampouco a busca incessante traria-me em vida satisfação de libertar-me dentro do tanto -o mundo- que há em mim, libertaria-me. Que fosse um nada, que fosse um tudo. Um vazio, ou um completo. Mas que fosse eu. Liberta. Traria-me o desfrute do silêncio, o aconchego da paz. Outra vez, que fosse eu, tal qual resultei de um melhor separado para mim, arquitetado por mim e completado pelo meu Eu. E vivo.

A luz na escuridão ainda está sombria, a caça ainda não se dá por vencida dentre os murmúrios e gritos de meus rabiscos. Talvez me afogue dentro daquele poço de fraqueza, onde algo me consegue extrair força. Talvez me lance dentro de um deserto com fundo branco, onde a miudeza da madeira lute para alcançar a excelência de um bom escrito. Onde eu nade mais fundo, mais longe e me dê como submersa, desfrutando de sentimentos confessados num mais que profundo rabisco. Como o diário de uma vida, assim seria a descoberta do esconderijo onde a luz que procuro que minh'alma sentiria-se capaz de ouvir todo e qualquer som que pudesse compor a melodia da vida coberta por notas -e desta vez, sem gritos- sem que o som cessace. Seria essa a descoberta da liberdade dentro de uma escuridão onde a respiração assassina o silêncio e a madeira descreve com a força que possui um grito por liberdade num profundo silêncio. Nem barulho, nem escuridão. Nem silêncio, nem luz.

Neste instante já não ouço mais sonidos. E ainda vivo.

Heloisa Rech
Enviado por Heloisa Rech em 23/10/2007
Reeditado em 13/11/2007
Código do texto: T706287
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