Torta de maçã

Seu aroma vinha da cozinha e invadia meu quarto, tornando-se meu despertador natural de quase todas as manhãs. Antes mesmo que eu pudesse abrir meus olhinhos de criança arteira, meu estomago roncava alto após uma longa noite de sono. Seu cheiro doce me deixava contente e me fazia saltar da cama bagunçada, calçar meu chinelo e correr escada abaixo até adentrar na cozinha, onde vovó preparava meu café da manhã.

Ela esperava-me com um agradável sorriso e perguntava-me como foi minha noite, enquanto me alimentava e se deliciava ao me ver daquele jeitinho inocente e com um bigode de leite ou suco de laranja.

Com o tempo eu cresci e já não era mais aquela criança eufórica, mas ainda sim, vovó me esperava todas as manhãs com uma torta ou alguns biscoitos caseiros. Nós conversávamos, no entanto, eu muitas vezes não contava algumas coisas por achar simplório demais. Que erro!

Me tornei um homem. Bom, era isso que vovó me disse no meu vigésimo segundo aniversário ao me dar duas passagens de ida e volta para o litoral, para aproveitar com a minha nova namorada. Fiquei contente, é claro! Ela também, mas eu não liguei ao ver seus olhos distantes. Outro maldito erro!

O ano passou e por muito pouco não notei que as manhãs quase não havia mais tortas de maçã. A festa de família no fim do ano já não era mais a mesma. Cada um no seu canto e eu por aí. Sempre dava um jeito de estar na festa de família de um amigo ou outro.

Quando meu aniversário novamente chegou, não houve festa. Não houve presentes que me fizessem ficar contente. Não houve abraços e nem palavras doces que me fizessem sair daquele momento angustiante.

Percebi então, que não sentiria mais o aroma doce das tortas de maçã impregnado nas suas roupas, tampouco me perguntaria como foi minha noite de sono. Percebi o erro que cometi. A senhora gostava das coisas que eu julgava simplórias e ficava feliz ao me ver falar sobre elas. A senhora estava adoecendo. Estava cansada e eu não percebi. Quantos erros eu devo ter cometido? Perco a conta facilmente, mas agora não adianta pensar mais. Não há mais manhãs doces e nem conversas logo cedo.

Só resta a dor da culpa e do lamento de não aproveitar melhores os momentos ao seu lado. Percebo agora que não era somente o cheiro doce das tortas que me faziam feliz, e sim, era poder ver você toda manhã.

Amélie Gram
Enviado por Amélie Gram em 17/09/2020
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