Delphine

Delphine acordou cedo naquele dia.

Deixou que os raios do sol entrassem pelas frestas das janelas de forma que seus medos fossem menos brilhantes que eles. Os raios do sol brilharam na pele de Delphine, tomada por picadas dos bichos da luz que atacaram na última noite.

Delphine nunca se importou de verdade com os bichos da luz. Delphine gostava de todo tipo de bicho que existe.

Haviam as galinhas da avó, que vira e mexe viravam janta quando Delphine se distraía. Ela brigava com o avô, dizendo que galinhas eram amigas e não comida; mas ninguém na fazenda de número 213 na rodovia Passarinho ligava pra isso. O vovô sempre vendia galinha, e a avó preparava uma ou outra.

Haviam as vacas, que davam leite para a comunidade. A mãe de Delphine a ensinou a tirar leite das vacas numa jovem idade, e a garota gostava tanta daquilo que fez disso seu passatempo preferido. Talvez perdesse para desenho e pintura, mas tirar leite das vacas continuava divertido.

Haviam os cavalos, que Delphine tinha medo. Eles davam coices e machucaram o irmão de Delphine no último verão. Vovó dissera que isso havia sido culpa de Décio, não do pobre cavalo, mas Delphine preferia observar de longe. Cavalos continuavam lindos, apesar de um tantinho fortes de mais.

Haviam as ovelhas, com o pelo tão macio quanto uma colcha de lã tricotada pela mãe de Delphine. Elas eram branquinhas, cinzinhas ou marronzinhas, e eram tão lindas que Delphine poderia passar o dia inteiro andando entre seus corpinhos felpudos as observando comer, pular e brincar.

Haviam as borboletas, as joaninhas, os louva-a-deus, os grilos e todos os outros insetos bonitos e delicados que viviam a rodear os campos floridos da fazenda. Ah, como Delphine amava as borboletas, tão lindas com as suas asas coloridas! E as joaninhas, que podiam ser vermelhas e pretas, eram tão lindas quanto. Os louva-a-deus e os grilos eram verdinhos e se perdiam nas folhas, como Delphine aprendera na escola, para se protegerem dos bichos maiores. Delphine achava lindo que um bichinho tão pequeno assim sabia que precisava se proteger para viver cada vez mais.

Então, Delphine aprendia com os bichinhos. Passava repelente, mesmo que fosse grudento e não cheirasse tão bem assim. Brincava com as galinhas. Tirava leite das vacas. Observava os cavalos. Corria entre as ovelhas. E admirava os insetinhos. Se inspirava nos insetinhos. Delphine era pequena, com seus 1,20 metro de altura, e apesar de ser maior que um inseto, Delphine sabia que havia algo de mágico em ser tão pequena assim.

Delphine conseguia se esconder entre os espaços pequenos, espiar as conversas dos adultos e ficar o dia inteiro em tantos lugares sem ser vista. Delphine media sua altura todos os dias na porta do seu quarto, entretanto. Ela sabia que iria crescer um dia, e que, quando esse dia chegasse, ela não iria mais conseguir passar em branco, como uma folha de papel ao vento.

Um dia, Delphine seria grande como a sua mãe. Grande, linda e inteligente como ela. Quem sabe, quando esse dia chegasse, ela conseguisse tricotar uma linda colcha de lã para se lembrar das ovelhinhas. Ah, e ela também não venderia as galinhas da fazenda na estrada. Muito menos se aproximaria dos cavalos.

Delphine se espreguiçou, deixando o sono ir embora com os raios de sol.

Ela correu até a porta do quarto e se mediu mais uma vez. Havia crescido um centímetro.