ANÉIS DE SATURNO*

Marta estava naquela Casa de Repouso há muitos anos. Era uma mulher calma e nunca causava nenhum problema. Alice, que servia as mesas no almoço, sempre a admirava. "Marta o que quer comer hoje?" E ela respondia: “Ah! qualquer coisa está bom" . Enquanto outros exigiam mundos e fundos, ela  se portava com o maior conformismo e elegancia, sempre bem arrumadinha, alegre e divertida. O triste era que  Marta era abandonada pelos filhos que nunca vinham visitá-la.  Alice descobriu que em Abril ela iria fazer 88 anos e  pensou em preparar uma festa surpresa. Ligou para a filha primeiro e ela disse que daria a resposta depois, e deixou recado na secretária eletrônica do filho, que nunca retornou a ligação.  Alice ficou muito triste, principalmente porque Marta era  abnegada, e parecia encarar sua solidão tão naturalmente. Mas ela não desistiu  e resolveu marcar uma reunião com os filhos, dizendo que precisava conversar com eles sobre a mãe. O encontro aconteceu na casa do filho. Alice começou a falar mansamente, mencionando o aniversário da mãe,  e a idéia de fazer uma festinha em seu quarto,  tentando explicar o quanto seria importante que eles fossem. A filha bebericava seu café com olhar distante,  enquanto o filho olhava no celular a todo momento. Sabe aquele 5 minutos? Alice, num ímpeto, ficou em pé e  apontou o dedo em direção a eles,  levantando a  voz, não deixando passar despercebida sua revolta. Fez perguntas  sobre a mãe que nenhum dois dois sabia responder e, mais uma vez, constatou  o quão distantes estavam de seus gostos e  de sua vida. A doce Alice - aquela hora nada doce - deu um tom de urgência em sua voz,  e saiu deixando  o convite na mesa da sala. No dia da festa, algumas amigas com quem ela sempre almoçava riam e abraçavam Marta em seu quarto decorado com bolas coloridas e cheio de flores, quando de repente seus filhos entraram pela porta. O tempo parou naquele momento e a expressão de Marta foi indescritível. Abraçou-os como se fossem ouro, e seus olhos doces marejaram.   E, lembrando a música da Rita Lee, Alice olhando para eles pensou silenciosa: “desculpe o auê" - mas ela sabia que por Marta ela roubaria os anéis de Saturno.

* Conto real - a Alice era eu

Tema: desculpe o auê

 
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 03/11/2020
Reeditado em 14/07/2021
Código do texto: T7103082
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