Carteira Assinada

Enfim, chegara o grande dia. Depois de duas peneiras, que consistiam em uma entrevista e dinâmica de grupo e outra entrevista individual, o tão sonhado emprego estava se tornando realidade. Trabalhar no setor de eletro-eletrônicos daquele conceituado magazine, receber comissões, ter direito a plano de saúde! Além do todos os benefícios, o melhor de todos: o resgate da dignidade, poder voltar a andar de cabaça erguida, deixar de lado o pejorativo termo desempregado. Estava animado, confiante, sabia que era a pessoa indicada para o cargo: gostava muito de equipamentos eletrônicos, sabia programar um dvd, instalar um home-theater. Boa aparência, vocabulário fluente, conhecimento dos produtos. Enfim, o perfil ideal. Vestiu a melhor calça, escolheu com cuidado a camisa, calçou os sapatos engraxados na véspera. Beijou a esposa e os filhos, que lhe desejaram boa sorte; ela, com palavras. Eles, com sorrisos. Saiu sem olhar pra trás, tomou dois ônibus, chegou meia hora antes do horário previsto. Nervoso, caminhava de um lado para o outro, bebeu água, mais uns passos, outro copo d’água. Se aproximou da porta na tentativa de ouvir alguma coisa, por curiosidade ou precaução. Mas o que ouvia era indecifrável. Depois de alguns minutos, intermináveis para ele, a entrevistada anterior deixa a sala com um largo sorriso e um papel nas mão: fora aprovada. Desejou-lhe boa sorte e saiu, com aquele ar de vitória, feito atleta que quebrara um recorde, que conquistara um título. Bom presságio, pensou. Sua hora chegara, ouviu seu nome ser chamado pela psicóloga:

-Sr. Vicente, vamos?

Sentou-se, já sendo estudado pela entrevistadora e pela gerente a da loja, que estava acompanhando a triagem. Sem perder tempo, lhe despejou as perguntas de sempre:

Me fale de sua vida profissional

Quais seus passatempos?

Por quê você merece o cargo?

Tornei a responder a tudo que tinha respondido nas fases anteriores do processo. Além do mais, elas estavam com o meu currículo em suas mãos, estava tudo lá: empregos anteriores, documentos, cursos, referências. Tudo lá, preto no branco. Mas elas queriam ouvir dele. Não se importou em repetir tudo, estava confiante, achava que em breve voltaria ao rol dos empregados formais, com direito a carteira assinada e décimo-terceiro no fim do ano.

Trabalhei ali, lá e acolá, adoro futebol, sou diferente por isso, isso e mais isso, merece o cargo pois...

Pensou em responder que merecia o cargo pois todo cidadão merece um emprego decente, honesto, que lhe garanta o seu sustento e de sua família. E que pra isso não era preciso implorar, ceder, bajular nem se submeter a peneiras estafantes que hipoteticamente lhe dariam uma vaga. Depois de mais algumas dezenas de perguntas, pediram para aguardar na sala de espera, pois lhe dariam a resposta logo.

Expectativa, misturada com a ansiedade e a certeza do sucesso.

Enfim, a resposta:

Sr. Vicente, seu perfil se adequa perfeitamente ao profissional que procuramos para integrar o nosso quadro de funcionários. Porém... Porém? Era isso que ele temia. Uma ressalva? Onde teria errado? O que será que...Porém, procuramos pessoas que morem perto da loja, o que não é o seu caso. Mesmo assim, entraremos em contato numa nova oportunidade. Muito obrigado e bom dia!

Ainda com o sorriso confiante, ouviu aquele “bom dia”, viu a mão se esticando, esperando a sua para o cumprimento formal. O sorriso amarelou, o aperto de mão não teve força. A esperança foi pro ralo. A vitória, cantada antes da hora, se transformara numa amarga derrota. A volta olímpica se tornara em pranto silencioso. Numa quente manhã de verão.