Quando éramos família.
Quando éramos família nos ajeitávamos em espaços mínimos, dividíamos o pão feito em casa e fazíamos balas de açúcar, gotas de limão e água...
À noite deitávamos todos ao mesmo tempo porque abrir as camas dava trabalho e tínhamos que nos acomodar em ordem, mas nunca em silêncio...
Havia cantoria, reza e agradecimentos por termos um teto, por termos uns e outros.
Havia também anedotas contadas na hora de dormir pela tia mais engraçada, bem como “poesias e canções” não muito sérias vindas lá do Sul das lembranças da infância de cada um dos irmãos.
A tia mais prendada preparava almoço de arroz carreteiro ou então churrasco, por ocasião da chegada dos salários; Nos finais de semana havia a noitada da jogatina, faziam pão fresquinho com a receita da gauchada, a térmica de café e a chaleira fervendo Para o chimarrão...
A noite virava criança e o jogo de buraco entrava madrugada a dentro...
Quando éramos família, pedíamos a Deus por nossos sonhos e acreditávamos que a sorte vinha da fé e sonhávamos com dias melhores e mais abundantes, mas íamos à luta com a força que ELE nos enviava.
E nós crianças aprendíamos que o silêncio dos adultos eram lições mais valiosas que as palavras duras...
Quando éramos família tínhamos desavenças e confusões que acabavam em brigas e discussões, mas no final o chimarrão, o cafezinho
E o pão quentinho acabavam com Qualquer zanga ou tristeza.
Qualquer desalinho.
Ríamos das piadas repetidas como se fossem inéditas e seguíamos pela vida afora, ouvindo nossos corações repletos da vontade de vencer e encontrando Um no Outro a certeza de poder contar com um Lugar para chamar de Lar!
Quando éramos família a tia mais legal escondia o presunto e o queijo dos adultos e na calada da noite ía de mansinho para a minúscula cozinha fazer misto quente pra criançada.
Os adultos fingiam dormir e não ver, até porque a delicia não dava para todos.
Quando éramos família o tio, de coração enorme jogava em todos os jogos possíveis, jogo do bicho, loteria esportiva, raspadinha e a cada aposta construía um castelo de sonhos... sentávamos ao redor dele e viajávamos em seus sonhos e devaneios.
Quando éramos família seguíamos firme na vitória ou na derrota, sabendo que o porto que nos abriga, a âncora que nos mantém firme tem só um sobrenome Família.
Hoje não somos mais aquela família, os tios e tias partiram
Para outros mundos e somos novas famílias que sem tantas lutas deixamos de ser sonhadores, cúmplices, e seguimos em frente com a certeza de que ainda somos família.
Ana Maria Lacerda
28.09.2019