A Promessa e a Saudade

Teve vontade de abrir o peito, ou a cabeça ou qualquer outra parte do corpo que tivesse aqueles sentimentos. Queria abrir e arrancá-los todos. Um por um! Queria que aquilo tudo fosse embora e acabasse de uma só vez para nunca mais pensar nele. Desejou não mais tê-lo conhecido. Desejou que estivesse morto, ou que o tempo passasse muito rápido para que aquilo virasse passado. Ou então queria ser imune a situação. Quem sabe se tomasse uma anestesia não melhoraria a dor? Mas não havia meio de parar com a dor. A saudade era como um peso imenso e a não resposta daquele homem era um sofrimento que passara poucas vezes em sua vida.

Olhou para Pedro dormindo como um anjo aos seis meses de vida. Pensou em todas as coisas que antecediam o nascimento daquela linda criança. A promessa, o amor eterno, a esperança de ficarem o tempo todo abraçados... tudo parecia se desvanecer em um piscar de olhos. Mas era de um valor incontestável para ela. Sentia que ali, junto com os momentos, se desvanecia também sua felicidade. A mesma felicidade que, de acordo com a promessa, seria eterna. Chorava ao olhar a criança que era, na verdade, um grande pedaço do seu amor e isso a torturava. Todos diziam: “como parece com o pai”, ela sorria, mas no fundo tinha vontade de chorar.

Márcia sempre se apegara demais as pessoas. Desde sua primeira paixão ainda na adolescência fora assim. E desde então se conformara que nascera para o sofrimento. Nunca havia dado certo em um romance e não seria agora, mulher feita e enfermeira conceituada que daria certo. Estava perdida e confusa. Escrevia cartas que nunca eram respondidas. Fazia promessas, as mesmas que um dia ele lhe fizera, para sensibilizá-lo, mas de nada adiantavam.

Era final da tarde. O vento fresco entrava pela janela e espalhava os cabelos claros com leveza. Pegou Peu, como todos costumavam chamar, e deu-lhe um beijo. Era hora do banho e ela sempre o dava banho com carinho. Gostava de produzi-lo, de vesti-lo bem, pentear seus ralos cabelos... Cuidava dele como sempre cuidou do seu amor e via nele a imagem do amado.

O bebê chorava de leve enquanto Márcia o tirava da pequena banheira rosa. Ela colocou o filho na cama e deu-lhe um beijo na testa. Passou o talco na região que mais assava com leveza e delicadeza. Curtia cada minuto cuidando do seu bebê. Aliais do bebê deles, pois não havia como negar quem era o pai. Ela colocou a fralda com a habilidade de mãe enfermeira e começou a vesti-lo com um macacão novo. Era a primeira vez que a criança o vestiria. Ela colocou uma blusinha branca por baixo e finalmente vestiu o macacão.

Levantou seu filho na altura dos olhos e viu o olhou profundamente. Pedrinho tinha um olhar penetrante e cativante, profundo. Ele sorriu aquele sorriso puro e apaixonante de criança. Ela sorriu de volta. De repente sentiu um aperto no coração e começou a ver imagens na sua cabeça. Meio tonta ela colocou a criança de volta deitada na cama e o observou. Era lindo, era seu filho. Mas não era só seu! Era metade do grande amor também. O mesmo amor ingrato o qual ela apostara todo seu coração, sua vida e seus sentimentos mais nobres. O mesmo que quebrara tudo que ela tinha só de pensar nele. Ela sorriu para Peu e quando ele sorriu de volta ela conseguiu sentir lágrimas involuntárias descerem dos seus olhos. E a cena foi marcante. Sorriam mãe e filho, mulher sem marido. Começou a chorar um choro descontrolado e triste. Via seu amor ali, naquele macacão de trabalho, lindo como sempre.

Abriu a bolsa e pegou a seringa. Talvez o analgésico que ela estaria procurando. Olhou para o filho e viu nele um pedaço de um amor que nunca existira. Olhou mais uma vez para o filho e viu um amor incondicional e distante. Um amor que talvez ela nunca recebesse em troca. Olhou a seringa. Apertou de leve e viu uma gota do liquido transparente sair dela. O filho começou a chorar loucamente e ela viu em seus olhos molhados a imagem do seu homem. Único e eterno. O peso dentro do peito aumentara e ela em um só gesto enfiou a agulha no pequeno peito de Peu. Era cloreto de potássio e isso o faria sumir para sempre. Injetou metade no filho e metade nela mesma. Se deitaram lado a lado. Ambos tiveram um enfarto ali mesmo lado a lado. Ela e o pedaço do seu grande amor. Dormiram. Agora sim não tinha mais peso no coração, nem promessa e nem saudade. E morreram juntos, Márcia e seu amor.

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 28/10/2007
Código do texto: T713332
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