Contos Sertanejos - Escolhas

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”

Euclides da Cunha

Escolhas

Ah! A vida no Campo... é muito boa. Lembro-me dos tempos em que meu avô Denésio contava as suas histórias de quando era vaqueiro, dos desafios, das viagens, das amizades, das brigas, etc., que fizera no passado.

Meu avô era um homem rústico, tinha suas manias, seus defeitos, mas suas qualidades superavam tudo isso. Morava em um sítio em uma cidadezinha no agreste baiano próximo do litoral norte da Bahia. Apesar de não saber ler e escrever a vida tornará um homem preparado, que em meio ao sertão baiano ganhava a vida levando os gados dos grandes criadores da região, além de cuidar dos poucos bois que seu pai possuía.

Com a idade já avançada meu avô sempre contava para mim as suas histórias e para as pessoas que apareciam na casa dele. As histórias contadas tinham uma pitada de suspense e aventura, mas sempre acabava de modo cômico ou refletivo. Modéstia parte adorava suas histórias estas eram de fato relíquias preservadas com o passar do tempo na mente daquela cabeça repleta de cabelos brancos.

Certa vez no sábado em pleno verão, quando fui à casa de meu avô por volta das treze horas, encontrará deitado em seu banco preferido no varandado da frente, onde sempre depois do almoço deitava para descansar, na verdade era o único vício que possuía.

Ao chegar, o cachorro veio até mim balançando o rabo, não latiu, pois já mim conhecia. Aproximei do meu avô que estava acordado, e pedi-lhe a benção, imediatamente, ele mim abençoou.

Ele se levantou e sentou no banco, fui e sentei ao seu lado, começamos a conversar sobre o tempo que estava quente, em um dado instante falei:

- Se aqui estar quente imagine o senhor como esta o sertão!

No ato da exclamação ele aproveitou para contar uma de suas andadas pelo sertão no lombo de seu burro, quadrúpede este que preferirá, pois aguentava os trancos da caatinga.

Meu avô que não era muito de rodeios começou a conta-me a história. A história que iniciará a contar era de quando ele ainda era solteiro e viajava sozinho levando o gado para os fazendeiros, pois como se tratava de apenas umas trinta cabeças de gado para ele era desnecessário mais de um vaqueiro.

A viagem segundo ele foi calma, saiu bem cedo de casa, ajuntou o gado no curral e abriu a cancela e os soltou, quando começava a despontar os primeiros raios de sol, já havia andado umas seis léguas.

Como nenhuma novilha desgarrou do rebanho, chegaram as onze e quarenta e três na fazenda do Seu Juca. A aparência e modos de Seu Juca causaram-lhe espanto, Seu Juca era um homem já bem velho e rico, possuía muitas terras, muitas cabeças de gado, no entanto morava em uma casinha de pau-a-pique, andava como um mendigo, sua comida era basicamente farinha de mandioca com rapadura, e ainda não tinha família.

Na hora do almoço Seu Juca chamou meu avô para almoçar, o almoço que Seu Juca oferecerá causou-lhe espantou, mas não recusou. Sentaram-se os dois no chão batido, ao iniciar a comer, deparou de repente com Seu Juca que estava a sua frente com a calça rasgada, onde suas partes íntimas estavam expostas. Quis cair em risos, mas se conteve.

Então começou a pensar intimamente, fazendo-se dezenas de perguntas:

- Como um homem rico como ele é, vive nestas condições sem família? Para que tanta terra e gado? Tem tanto gado e vive comendo isso? Tem dinheiro e não compra umas vestes adequadas?

Ao terminar o almoço descansou um pouco sob um umbuzeiro, por volta das duas horas da tarde celou seu burro e foi até Seu Juca agradecer pelo almoço e se despedir.

Agradecendo e despedindo-se montou em seu burro e Seu Juca disse:

- Boa viagem meu amigo e cuidado com suas escolhas, eu sou um exemplo das escolhas que fiz.

Saiu devagar e aos poucos aumentou o passo, entretanto aquela mensagem não saia de sua mente, de repente começou a compreender o significado da mensagem e as perguntas que fizera a si próprio começaram a ser respondidas.

A noite ia chegando e o sol dava seu adeus, percebia que não iria chegar em casa no mesmo dia, além do mais seu burro já demonstrava cansaço. Então tratou de procurar abrigo em uma fazenda que virá quando levava o gado de Seu Juca. Chegando à fazenda foi até a casa do dono, desceu de seu burro e o chamou. Quem saiu foi sua mulher Dona Ana, a mesma disse que seu marido não estava, tinha ido à cidade, mas daqui a pouco chegaria.

Quando Mauro chegou, um senhor que aparentava um sessenta e poucos anos, o dono da fazenda foi até meu avô e perguntou-lhe:

- O senhor está mim procurando, o que desejas?

- Boa noite, meu senhor, sim estou lhe procurando. E que não sou daqui, levei um gado lá para fazenda de Seu Juca e agora estou voltando para casa, mas como é tarde e meu burro esta cansado, gostaria de saber se poderia passar a noite em sua fazenda, naquele pé de cajueiro e se meu burro pode comer um pouco de seu capim.

O senhor Mauro vendo do que se tratava disse-lhe:

- Claro, mas o senhor vai dormir lá no celeiro e não irá pagar por nada.

Meu avô que não era de luxo ficou maravilhado com o gesto do senhor Mauro. De repente apareceu uma moça que estava tirando a cela do burro, não a virá, pois estava de costas, só viu quando esta montou em pêlos e sairá correndo, pensou estar sendo roubado, ficou perturbado, mas o senhor Mauro, disse que aquela era sua filha e levará seu burro para o pasto.

Como já passavam das dezessete horas, o senhor Mauro o convidou para jantar, meu avô se lavou, enxugou as mãos e foi para a mesa, a moça que levará seu burro para o pasto, já estava disposta na mesa. O constrangimento tomou conta dele por inteiro, pois para meu avô ali era outro mundo completamente diferente do seu, comer na mesa era coisa de rico para ele e para muitos da época.

A moça disse a ele para que não tivesse vergonha e ficasse a vontade, mas isso não o ajudou mesmo assim comeu e ao terminar a Dona Ana ofereceu um cafezinho. Café era uma das bebidas que ele mais apreciava, aceitou de bom grado. No fim, o senhor Mauro disse- lhe é hora de dormir, Dona Ana e sua filha já havia se recolhido, meu avó que se dirigia para a porta foi interceptado pelo senhor Mauro.

- O senhor vai para onde?

Meu avô sem saber ao certo, respondeu:

- Estou indo dormir no celeiro.

O Senhor Mauro, falou bocejando:

- O senhor vai dormir no quarto das visitas.

Sem saber o que lhe dizer, segui-o até o quarto. Chegando à porta o senhor Mauro disse que não saísse à noite, pois os cachorros estavam soltos. Virando o corredor o senhor Mauro desapareceu, deixando meu avô ali com a vela na mão em meio à escuridão, só restou entrar no quarto e dormir para no dia seguinte levantar cedo e seguir seu caminho.

Na manhã seguinte, levantou lavou o rosto na bacia que estava sobre a mesinha no quarto. Seguiu pelo corredor até a sala, lá já estava o senhor Mauro, o qual lhe chamou para tomar café. Tomou seu café rapidamente e foi com o senhor Mauro até o curral. Senhor Mauro que já tomará feição com meu avô e via nele um ótimo marido para sua filha, aproveitando a conversa que começará com ele, falou-lhe que tinha apenas uma filha e que ela herdaria tudo dele, e ainda falou de suas terras até onde iriam, de seus cavalos e bois que possuía. Meu avô suspeitará das intenções do velho e ficava escutando tudo em silêncio. Logo em seguida, chega à filha do velho montada no burro já celado. Meu avô pegou as rédeas, montou no seu burro e agradeceu pela hospitalidade e como um corisco ganhou o mundo sem olhar para trás.

Terminando de contar a história para mim, meu avô disse que aquilo dito por Seu Juca tinha servido de instrumento para refletir sobre suas escolhas. Poderia ter ficado naquela fazenda, casado, ter terras, cavalos e bois, mas no final nada seria seu de fato e ainda estaria vivendo uma mentira, casado com uma mulher que não amava.

Aquelas palavras do meu avô até hoje repousam sobre mim, suas histórias são fantásticas, de um homem honesto e humilde que nunca teve inveja do que os outros possuíam.

Escolhas são feitas, cada um irá colher o que plantou. Ali terminava aquela bela tarde de dezembro.