ENTÃO É NATAL E O QUE VOCÊ FEZ?

Então é natal e o que você fez? Chegou 25 de dezembro. Demorou! Fim de um ano que não vivemos, sobrevivemos. O presépio armado. As luzes. É um natal diferente, com nostalgia de antigos natais. Natal do distanciamento. Isolamento. Máscaras. Álcool em gel. Tapetes sanitizantes. Hora de colocar a imagem do menino Jesus na manjedoura. Nunca precisamos tanto dEle. Envolto no plástico bolha, o papel alumínio, o protegendo, é retirado. As crianças aplaudem. Os adultos abaixam a cabeça, orando e pedindo o fim da pandemia do Coronavírus. A missa do galo. O pisca pisca na varanda. A propaganda do urso da Coca Cola na tevê. A carreata dos caminhões luminosos da Coca. A fila de carros pra verem a carreata dos caminhões luminosos da Coca. A vinheta da Globo, nesse ano com bonequinhos se abraçando. Hoje é um novo dia, de um novo tempo que começou e que há séculos esperamos. As alegrias serão de todos, é só querer! Sem comentários! As alegrias, cada vez mais, de uma minoria. O papai Noel saiu das ruas e shoppings. Papai Noel é virtual pois ele está no grupo de risco. Ao menos não sofrerá com aquela roupa de veludo em pleno verão tupiniquim. Papai Noel das lives, com direito a ar condicionado. Os mercados continuam lotados. Fila pra medir a temperatura dos clientes na entrada. Cuidado com a segunda onda! -"Ei. Respeita o distanciamento. Espera a caixa higienizar a esteira e te chamar!" Podem se reunir para o natal em família mas todos de máscaras. Não precisa ir a família toda no mercado, vai um só. Com o preço da carnes nas alturas, não tem fila no açougue. A Simone continua em primeiro lugar nas paradas de sucesso dos supermercados. -"Então é natal e o que você fez?" Natal da pandemia. Natal sem muita alegria. Sem os fogos de Copacabana. Sem as rabanadas do tiozão, metido a masterchef, que está isolado em casa. Ivermectina, cloroquina. Um panetone na mesa. A moda é o panetone salgado. A sidra sem álcool pra parte evangélica da família. Suco de uva integral pra sobrinha fitness. A farofa de cenoura com bacon e uva passa. O salpicão de frango com uva passa. O arroz de forno com uva passa. A maionese decorada com rosa feita de casca de tomate e uva passa. O perú que dormiu na marinada de temperos e vinho branco. O tio que solta rojões na rua, mirando a casa do vizinho. Outra tio de fogo, já de manhã. O lombo seco. O Chester seco. -"Gente. A Ana Maria Braga ensinou a deixar o lombo macio!" Grita alguém. -"E por que você não pegou a receita e fez?" Responde outro alguém. Natal sem abraços. Sem abraços falsos. Ana Maria Braga sem o Louro José. -"Pessoal. A linguiça saiu!" Grita o cunhado da churrasqueira. Um engraçadinho pergunta pra onde? A linguiça foi embora? A lona preta na frente da casa. A tradicional chuva da tarde de natal. A fumaça indo pra casa do vizinho. A tia beata que curtia canções natalinas não veio. Está isolada em casa. As nozes duras. As castanhas duras. Kiwi, lichia, frutas que a gente só vê no natal. -"Ninguém vai comer noz?" Pergunta a tia encalhada. Pavê de pêssego com calda. Pavê de bolacha Maria e figo em calda. Abacaxi em calda. O primo chato, que sempre perguntava se era pavê ou pra comer, não veio pois é do grupo de risco. O tiozão que, com tanta comida na mesa e churrasco, pergunta se tem feijão? A cunhada que gosta de carne bem passada, esturricada, também não veio. O primo, que gosta de carne mal passada e sangrando, também não veio com medo da Covid-19. Os mesmos filmes na tevê. O Grinch, Vovózona e Os Fantasmas de Scrooge. Ninguém assistindo a tevê pois a molecada está no celular. O especial do rei Roberto Carlos na Terra Santa. A prima do interior, que sempre diz que a gente tá cada vez mais gordo, não veio. O irmão que tira foto de tudo não veio. O cunhado, que tira sarro de todos, não veio. A turma do truco e do dominó não veio. O sofá da sala está vazio. Os vasos do alpendre estão sem salgadinhos enfiados neles. O cachorro está solto. Não tem moleque correndo pela casa, como em anos anteriores. Não tem o cuscuz tradicional daquela tia, metida a masterchef, que só sabe fazer cuscuz. Não tem ninguém tirando fotos. Não tem a sessão nostalgia, com a família toda rindo, vendo antigas fotografias. A árvore de natal é a mesma do ano passado. O primo, que sempre traz a namorada e a sogra, não veio pra evitar aglomeração. O tiozão, que sempre traz mortadela ao invés de carne, também não veio. O primo, que traz cerveja ruim e toma as boas, também não veio. Natal de sexta-feira. A padóca fechada. O boteco fechado. A farmácia fechada. Esse ano tem batidinha de vinho com leite condensado. A tia, que ficava zureta com a batidinha, não veio. O banheiro da casa está limpo. Tem muito espaço na geladeira. Pudera, os preços dos alimentos na hora da morte. Esse ano não tem amigo secreto nem briga do tio petista com a prima bolsonarista. Os dois estão no grupo de risco, cada um em sua casa. O tio que trazia melancia não veio. A cunhada, que trazia jaca mole e fazia todo mundo experimentar, graças a Deus não veio. Não tem copo de vidro quebrado! Não tem pilha de louça suja na pia da cozinha. A tia hipocondríaca, no grupo de risco, também não veio com medo de aglomeração. Nenhum tupperware sumiu. A tia, que fez bariátrica e mostrava a cicatriz pra todo mundo, também não veio. O primo do interior, que chegava no natal e ia embora em fevereiro, não veio. A sobrinha grávida não veio. A cunhada que ganhou bebê também não veio. Não tem moça desconhecida dormindo bêbada no quarto. Não tem discussão sobre futebol ou religião, só sobre a vacina contra a Covid-19. Esse ano não tem aquela garrafa de Natu Nobilis passando de mão em mão. Os vídeos do Tik Tok compartilhados. O tio, que sempre toca os CDs do Raça Negra, não veio. Aquela tia divorciada, que sempre chora ao ouvir as músicas do Raça Negra, também não veio. A mesma toalha de natal do ano passado. A mesma guirlanda. O papel higiênico com detalhes natalinos. Salada de frutas. Sorvete, sorvetone, chocotone. Bolo de nozes, pinha, pinhão. Folia de Reis na rua. Alguém abre uma cesta de natal. Antepasto de berinjela com uva passa. Alguém pede a receita do antepasto de berinjela. Alguém pede pão pra comer com antepasto de berinjela. Um natal sem sessão piadas. 2020 não deu muitos motivos pra sorrir. Whisky a Go Go. A tia velha chora ao lembrar do Paulinho, do Roupa Nova. Não tem ninguém disputando a rede na varanda. A piscina vazia. A prima, que sempre traz musse de maracujá, não veio. Não era do grupo de risco mas talvez ficou com medo do preço do maracujá. Não tem nenhum tio bêbado dormindo no chão. Não tem caipirinha de vodca com limão nem os discos do Milionário e Zé Rico. Não tem panceta nem picanha. O tiozão, que já foi seminarista e fazia a oração antes do almoço, não veio. -"Gente. Esse ano não tem presente pois o maior presente é estar presente. Nessa pandemia, só Deus pra cuidar da gente!" Disse a tia da farofa, sendo aplaudido. Melhor oração impossível. A estrela de Belém, visível depois de séculos. O primeiro natal foi parecido com esse. Pouca gente. Poucos presentes. Pouca comida. Uns animais. Uma vaca, um burro, ovelhas. Os pastores, os reis magos. O céu estrelado. A estrela de Belém. O menino no centro. José e Maria. Os anjos cantando Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens. Esse natal será da família, da intimidade com Deus, da espiritualidade. Da saudade de tanta gente. Da ausência. As casas com pouca gente, pouca comida, pouco dinheiro, poucos presentes mas com Jesus no centro. No centro das casas, das famílias, de cada um. Isso é o mais importante. O silêncio. O céu estrelado nos chamando a olhar mais para o alto. Júpiter e Saturno alinhados. Que possamos estar mais alinhados com o próximo e assim, com Deus e o universo. 2018 foi osso! 1019 foi trágico! 2020 foi tenebroso pois a humanidade nunca estive tão frágil, ante a ameaça de um vírus letal que desestabilizou tudo! Um ano de preciosas lições. Feliz natal. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 24/12/2020
Reeditado em 24/12/2020
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