O Misantopo

-Seu menino é tão quieto, vive cabisbaixo, mal levanta o cenho, e quando tento cumprimenta-lo, ele acena aquela tão fina mão de dedos longos e entra correndo para o portão adentro como se tivesse fugindo de uma fera solta que estava prestes a dilacerar seu corpo de menino anêmico, desnutrido.

Ouço do meu quarto a vizinha invasiva, sempre a espreita a adentrar a vida íntima dos moradores daquele pacato e enfadonho bairro, antes que minha mãe possa responde-la concordando com ela ou tentando defender seu fracassado filho, aumento a TV com o filme "Les quatre cents coups" de Truffaut, não estou interessado em saber o que pensam sobre mim. As vezes gostaria de ser invisível, andar por todo canto, entre folhas, flores despedaçadas ao chão, escalar galhos por galhos, terra úmida refrescando meus pés ardentes daquele clima solar escaldante, pegando uma cor para esse corpo pálido feito lagartixa, mas isso não era tão possível, olhares curiosos, tentativas de interação, repressões, julgamentos por construções sociais crenças limitantes...

Ser livre, gozar da liberdade custa um bom preço, por isso a noite é minha íntima, aguardo o crepúsculo, o passar do cheiro do feijão no fogo, o vozeio da vizinhança esvair pouco a pouco feito eco, a solitária lua em evidência, terreno pronto!!! Na ponta dos pés procuro a luz branca do luar, em algum canto deserto, deito-me sentindo um refresco no rosto, a briza, barulhos dos animais noturnos, ruídos da natureza sábia, pura e instintiva.

Volto para meu mundo particular do qual só saio para esses poucos prazeres, e para afazeres necessários, reuniões sociais obrigatórias.

-Por que você não tenta? Indaga o psicólogo de olhos penetrantes tentando invadir meu íntimo.

Vou me desmontando lentamente da cadeira, olho para baixo e só balanço a cabeça negativamente, demonstrando um nítido incômodo.

Fim de papo.

-Deixarei a próxima sessão para terça as 14:00.

Solto um obrigada abafado, respiro fundo de alívio em idas e idas a psicólogos, psiquiatras ter acabado, essa insistênciad de meus pais, que discutem a todo momento sobre o comportamento do filho único franzino, monossilábico, quase mudo.

Toda vez que há questionamento sobre mim, Eu sinto meu rosto quente feito uma brasa a estourar, sou tomado por um desejo eufórico de gritar que cumpro minhas obrigações sociais básicas, me falta ânsia, vontade, não gosto de jogar conversas ao vento, falar por falar, tenho sim economias por palavras, eu tentei, tentei, tenho interesses distintos da maioria que quer saber a marca do vestido da moça fina que senta no primeiro banco da igreja, ou como o João do bairro de classe média baixa comprou aquele carro caríssimo se ele tem sete crias para sustentar e a mulher não trabalha. Pouco me convém derrotas alheias, vitórias, não sou o tipo que gosta de binóculos ou buracos da fechadura, mas receio de soltar tudo isso feito um cão com fúria e ser julgado como um insolente, arrogante, pois qualquer pessoa que se defende no meio de ataques pela maioria é julgado como.

Tudo que quero, é minha solitude, ou então me ofereça companhia melhor que os filmes de Pasolini ou a escrita de Oscar Wilde ou James Joyce, , Me deixe envolto em minhas quimeras, devaneios, quem sabe um dia eu encontre aquela pessoa que me compreenda e eu a compreenda, e juntos podemos nos salvar e concretizar o sonho vivo de voar, voar...

Denise Brunato
Enviado por Denise Brunato em 03/02/2021
Reeditado em 03/02/2021
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