Pandemia - Observações de um amigo

Seus olhos já não tinham o mesmo brilho, não era possível abraçar, nem tocar suas mãos, nem ver o seu rosto. Apenas teus olhos revelavam as verdades não ditas. Falou-me te tristeza, de solidão, sem entrar em detalhes. Também não era preciso, tava óbvio. Todo o seu corpo expressava essa solidão, essa angustia de estar no mundo e continuar tentando viver, apesar de, apesar de, apesar de... O cabelo crescido, roupas surradas, barba por fazer...todo o seu corpo expressava essa entrega. Não há o que fazer. Era tempo de pandemia, corria o ano 2021. E já se passaram um ano inteiro nesse caos, nessa luta entre o bem e o mal, nesse desalinho interno, nessa sensação de abandono. Cadê o chá, mamãe? Eu cresci? Ohhh, mas eu nem vi... Olha pro mundo inteiro! Olha a tua volta! Tantas perdas, tantas horas, tanta espera... Sua espera não se assemelha à minha. Não! Sua espera não se assemelha a nenhuma outra. Nenhum humano pensaria ou sentiria isso de forma igual porque não somos iguais. Mas, de alguma forma, eu entendi sua dor. De alguma forma eu senti sua solidão também. Algo dos teus sentimentos encontra as minhas dores. Talvez por tanto te conhecer, por tantas horas que tivemos de conversas intensas e verdadeiras. Não, não trocamos sorrisos, nem atrás das máscaras. Não, não trocamos sorrisos, nem atrás das máscaras. Quis te abraçar e buscar no fundo dos seus olhos aquela alegria de outrora, aquele brilho, aquela luz...Não tive forças. Outros medos e outros riscos me assaltaram. Vírus, medos, dores, desesperança. Estamos vivendo um lockdown. Não é possível sair de casa e saímos, meio adolescentes, tentando romper ou corromper o que tá posto e que não é possível suportar sozinho. Trocamos algumas palavras, corriqueiras, sem nenhum valor significativo. Nossas conversas sempre tiveram tanto conteúdo. Filosofia, psicologia, família, literatura, poesia e tanto amor pela vida e pela beleza do viver. Agora, já não sabemos mais conversar. Estaríamos perdendo o jeito? Desaprendemos? Acostumamos a ficar em silêncio, na confirmação consciente de que não há o que fazer? Algumas pessoas partiram. Há ainda uma dor não elaborada pelo luto, pela tradição não experienciada. E não pudemos falar sobre isso também. Acabou seu tempo. Era apenas cinco minutos.