O DRAMA DE FELISBERTO

            Felisberto, ou sabia ou fazia vista grossa. Toda a cidade comentava os deslizes morais de sua mulher com Carlito o vice prefeito. O povo ficava indignado com tanta passividade. Alguns achavam que ele não sabia, já outros diziam: “É um corno manso, não tem como não saber das andanças daquela Messalina”. Mas ninguém tinha coragem tocar no assunto com ele, que trabalhava feito um escravo, como gerente da loja de produtos veterinários. Vendia, embalava, entregava, mal tinha tempo para almoçar em casa. Muitas vezes comia um sanduíche ali mesmo por perto da loja. À noite, chegava combalido, e dormia no meio do jornal nacional. Não ganhava tão mal, mas como a vida anda pela hora da morte, o dinheiro era curto para passeios, viagens, e lazeres. Fins de semana passava-os todos em casa, o que aborrecia a mulher e os filhos. Isméria era professora numa escola rural a uns dez quilômetros da pequena Goiandira e da qual o vice-prefeito era o diretor. Todas as quartas feiras, Carlito passava pela escola a pretexto de supervisionar, mas seu intuito era sempre um encontro com Isméria depois que os alunos fossem embora. As vezes se passava ali mesmo na escolinha, e outras iam para uma chácara que o vice-prefeito tinha nas vizinhanças. Isso já durava uns dois anos. Um belo dia, Valfredo, um amigo mais chegado, chamou Felisberto para tomar uma cerveja depois do trabalho. Ele quase sempre recusava alegando cansaço, mas neste dia aceitou. A certa altura da conversa, depois de umas quatro cervejas, O amigo disparou: “Você não se incomoda com esse caso da Isméria com Carlito?” Ele não esperava a pergunta, fez uma longa pausa, tomou um gole da cerveja, e finalmente falou: “Que isso fique entre nós Valfredo, vou te contar pela longa amizade que temos e pela confiança que tenho em você. Há uns 3 anos que Isméria e eu vivemos de aparências. Fiz uma cirurgia e depois disso veio uma séria disfunção erétil. Fiquei completamente impotente. Coisas que acontecem, não foi erro médico nem nada. Primeiro pensei que pudesse ser reversível, mas o médico já disse que não é. Gosto demais da minha mulher e não quero me separar dela. Depois tem as crianças. Por outro lado não acho justo que uma mulher ainda jovem, no seu auge hormonal se anule sexualmente por causa da minha deficiência. Tivemos uma longa conversa e eu a liberei para dar vasão aos impulsos do seu corpo, só que o fizesse de forma discreta. Ela escolheu Carlito, é um amante fixo, é viúvo, se cuida fisicamente. Então… tá assim. Só pedi a ela que quando possível trouxesse um dinheirinho para casa para ajudar nas despesas”. Valfredo se despediu do amigo, pagou a conta e foi embora pensativo “É um misto de generosidade com uma pitada de pouca vergonha”. O povo continuou falando, mas ele se deu por satisfeito com a explicação de Felisberto e nunca mais falaram nisso.
Al Primo
Enviado por Al Primo em 19/03/2021
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