Conto das terças-feiras – Conhecedor do mundo

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 30 de março de 2021.

Otaviano Vasconcelos, apelidado de conhecedor do mundo, era um mentiroso inveterado e, ao mesmo tempo, esperto e de leitura. Todas as suas mentiras eram baseadas em fatos lidos em livros, revistas ou jornais, principalmente antigos, os que ninguém mais tinha acesso ou já esquecera suas manchetes. Desde criança ele colecionava esses jornais, sem nem mesmo saber com que propósito. Quando aprendera a ler, lia-os constantemente, procurando memorizar fatos importantes, principalmente sensacionais. Quando tinha toda a história na cabeça, corria para a turma e contava o que lera como se tivesse participado daquele evento. Às vezes relatava episódios acontecidos antes de ele ter nascido. Os amigos ficavam de boca-aberta, ouvindo-o. Era um herói!

Ao completar 18 anos, seus relatos passaram a ser sobre acontecimentos cotidianos. Um crime aqui, um acidente de carro ali, qualquer fato que fosse extraordinário, que causasse comoção, arrepio, tudo isso contado de forma dramática. O que ele ganhava com isso? Admiração da patota. Porém, todo o cuidado era pouco, pois, nessas rodas poderia haver alguém que realmente tivera assistido aquele acontecimento, não só lido em jornais ou ouvido no rádio. Era discussão na certa, às vezes, briga. A estratégia passou a ser a compra de jornais das cidades vizinhas. A probabilidade de alguém ter presenciado o que estava a contar era quase nula.

Já craque em inventar histórias, a maioria boba e já sem graça, Otaviano passou a se esconder dos amigos por uma semana, duas ou mais, quando aparecia dizia ter viajado para Buenos Aires, Paris, Londres, Nova Iorque, Roma, Tóquio etc. Tinha todas as histórias dessas cidades na ponta da língua. Conhecia cada ponto importante, museus, restaurantes famosos e os lugares mais visitados por turistas. A cada retorno desses “passeios” ganhava mais notoriedade. Todos se perguntavam como ele conseguira ir para tal cidade, com que dinheiro. Havia sempre uma resposta também na ponta da língua: ganhei na loteria, uma vó faleceu e deixou uns trocados para mim, num bingo. Na sua cidade e ao redor dela, não havia bingo nenhum. Mas o que importava se isso não era verdade? Ele sempre trazia histórias fantásticas desses lugares, com detalhes de fazer os olhos dos ouvintes brilharem. O povo que as ouvia era composto de sujeitos simples, pouco letrados, que crescera ouvindo aquele belo rapaz contar suas histórias. Às vezes, quando a ousadia permitia, comprava algum souvenir representativo das “viagens realizadas” e os vendia pelo dobro aos ouvintes mais ignorantes e exibidos.

Durante a descrição das aventuras vividas na cidade de Tóquio, que alguns nem sabiam que existia, o caldo entornou. Todos atentos ao relato de Otaviano, que falava da bela e pujante capital do Japão, dizendo tratar-se de uma das maiores cidades do planeta e uma das maiores aglomerações do mundo, com mais de 9.262.000 habitantes:

— Imagine vocês, argumentava, a nossa cidade tem apenas uns 50 mil habitantes. Ela é uma das mais de 6 mil ilhas que compõem o arquipélago formador do país. Todos admirados exclamavam, Oh!

Continuando sua narrativa falou que tinha visitado o mercado Tsukji Fish Market, onde tomou café da manhã com peixe fresco, que esteve na maior estação ferroviária do mundo, no bairro Shinjuku. Que subiu a Torre de Tóquio com 333 metros de altura e andou no metrô da cidade que possui mais de duzentas estações. E querendo mostrar que sabia de tudo, acrescentou:

— Tóquio é a cidade que tem o maior eixo internacional de transportes, ferroviário, terrestre e aéreo do Japão.

Estavam todos deslumbrados com tanto conhecimento, quando uma pequena figura apareceu entre os ouvintes de Otaviano, que não eram poucos.

— Quantos dias você passou na minha cidade? Quando você foi e quando voltou? Perguntou um japonês com sotaque carregado.

— Oito dias, por quê? Fui há duas semanas e voltei ontem.

— Quantas horas de voo?

— Não marquei!

— Seu mentiroso, segunda-feira passada eu vi você em sua casa, no caminho do açude. Quando você me viu procurou se esconder, pensando que eu não tinha lhe visto.

Em silêncio, a plateia esperou uma resposta. Como não veio, o enxotaram com xingamentos e gritos: — Caia fora seu mentiroso, nunca mais pise nessa cidade.

Otaviano desapareceu da cidade, dizem as más línguas que fora para Tóquio.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 30/03/2021
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