Última peraltice

-Mentirosa! - Repetia baixinho o menino enquanto mirava os pombos na calçada. Ele menino de classe média, morador do terceiro andar de um dos prédios mais caros da Avenida Litorânea. “-Eu não fiz tudo aquilo! Nem a metade! Magoei a mãezinha... Magoei.”

A velha babá não tivera pena do menino. Quando a mãe chegou cansada do trabalho contou e aumentou todas as suas peraltices. Sem dó. “Ele ergueu minha saia Dona Ana! E disse absurdos a um senhor que veio trazer leite!”

A mãe, uma senhora calma, fitou-o decepcionada. Não disse uma palavra áspera nem o castigou. Com o semblante um pouco triste, sentou-se languidamente no sofá e disse ao pequeno danadinho: “-Estou desgostosa com você. Ouviu? Você não deveria ter feito nada disso. Confie em você e me decepcionou”.

Dito isso, pôs-se a chorar. Não pelas travessuras inocentes do pequeno, mas pela dolorosa partida do marido que agora, deveria estar nos braços da sua amiga, sua melhor amiga. "Ah Joana, eu ficarei melhor sem ele." Disse Dona Ana olhando a babá e referindo-se ao traidor que partira sem deixar nada na conta corrente.

Mas, ele não compreendeu. Debruçado na sacada, sentia todo o peso do mundo em seus ombros. Não poderia existir dor maior: Decepcionou a mãe! Quão perverso tinha sido para conseguir decepcionar àqueles olhinhos tão azuis. Certamente ela choraria a noite inteira e tudo seria culpa dele!

“Não posso continuar assim. A mãezinha não merece” e passando a perna sobre o gradil lançou um passo a frente. “Ela ficará melhor sem um menino peraltinha para decepcioná-la.” E um passo a mais... “Eu te amo mamãe.” Mais um passo...

Ouvira-se um barulho seco

E uma revoada de pombos.

Findara-se à tarde.

(Jessiely)