Vida eterna

- Não vou

- Já disse que não posso

Essas pessoas são pessoas comuns que vão viver e morrer ignoradas, mas isso não é uma tragédia.

Há coisas piores que se pode fazer do que se adaptar a este mundo. Não há nenhum problema em limpar banheiros, catar lixo na rua, desentupir canos de merda...

Um lugar dos sonhos, os objetos dos sonhos, tudo que tenha no meio "sonho" não é uma boa expectativa.

Não é exatamente um drama.

O que imaginamos não segue ou não condiz com o que vivemos. Nos sonhos eu já fui muito além; e quando estou solitário, minha cabeça flui em um mundo inverso a esse. Meu paradoxo.

Não é bem que eu não quero, é que eu não posso ir além. Quantas coisas eu queria ser, viver, fazer e ter. Isso não chega a ser um desespero, só dói um pouco.

Qual será minha lembrança?

O que será minha vida eterna?

"Quem de vocês merece a vida eterna?"

Sei exatamente o que sinto. Eu bebo porque quero me expressar e tenho medo.

Uma sociedade de alcoólatras, mas o medroso sou eu.

Ninguém vive no caos. Quando há caos, logo tentamos organizar tudo. Se não conseguimos, corremos para os braços da proteção de qualquer coisa ou lugar: o lugar perfeito, a mulher perfeita, os detalhes perfeitos.

"A melhor maneira de enterrar o passado é se afundar nos detalhes".

A vida é entusiasmo e arrependimento. O bom vira ruim, e se não fica ruim é por que estamos olhando para cima, no mundo dos nossos sonhos.

Tudo acaba, tudo termina, tudo se esgota, tudo se desfaz. Para as almas jovens o céu é uma escolha, mas para as almas velhas o céu é o vazio.

Há coisas que se compram, mas outras exigem talento. Na faculdade aprendemos as técnicas e habilidades, mas não aprendemos como ter talento. Você pode pintar um quadro, mas não pintará como Michelangelo. Você pode compor uma música, mas não comporá como Schuman. Você pode gostar de filosofia, mas pode desistir da idéia de ser um Foucault.

Leia um livro, compre tênis novos, saia com os amigos, case, tenha filhos, enfim, faça suas escolhas, mas no final saiba que morrerá e será esquecido.

Qual será sua vida eterna?

O morto libera epinefrina. O medroso libera epinefrina. Viver com medo é viver morto.

Uma sociedade de mortos, mas o medroso sou eu.

Seu dinheiro, sua fortuna, seu carro, sua casa, todas suas lembranças se desmoronando, e quais serão suas lembranças?

Você desmoronando, e quais serão suas lembranças?

Chegar aos quarenta anos e descobrir que nada do que tenha feito chegou as pessoas, que nada as tocou e nada mudou suas vidas.

Mas qual é a lembrança eterna?

Nada muda, mas sempre pensamos que irá mudar. Não muda. É a nostalgia dos velhos. Qualquer velho que você encontre está arrependido, demora em torno de 70 anos para se acordar, alguns nem tem tempo, mas normalmente se acorda, basta sentar e conversar 5 minutos com um velho para ele recordar os velhos tempos, sempre com aquele olhar vago de arrependimento.

Talvez o problema não seja dinheiro, lugares, pessoas, mulheres, essas coisas que chamamos de vida, é um problema mais interior mesmo - subjetivo. Um problema de criação, e, acima de tudo, um problema de luta. Essa é a doença da civilização. Nada se cria, tudo vem mastigado. As pessoas lutam uma com as outras com armas de terceiros: "Meus" valores, "minha" ideologia, "nossa" perspectiva. Nada é de ninguém, vem tudo vendido e embalado. Eternos cordeiros, uma geração após outras: os remodelados dos remodelados, as cópias das cópias, os plágios dos plágios. E essa é a era do individualismo.

Qual será sua criação?

Plínio Platus
Enviado por Plínio Platus em 07/11/2007
Código do texto: T727031