Doces e tristes lembranças...

A vida não parou para ninguém. Os dias passam, os meses correm e os anos voam, mostrando sempre um número a mais no calendário... Dizem que se começa a viver depois dos 40, eu nem sei o porque dessa lenda, mas sei que depois dessa idade a gente começa a perceber a vida passar tão rapidamente que quando olhamos para trás parece que os últimos anos foram ontem...

Aí a gente para, e em determinados momentos nos lembramos da infância e da juventude... Se esforça para lembrar com exatidão de detalhes daquela época, que talvez por serem tão corriqueiros, nosso cérebro não conseguiu gravá-los como gostaríamos... Mas houve momentos em que nem o tempo e nem a vida, cheia de atribulações, nos deixam esquecer...

Morei na Vila Nivi, na Zona Norte de São Paulo, dos três aos doze anos de idade, e nunca esqueci a Dona Madalena a Dona Manoela, Dona Zuíla, Dona Tite, Dona Adélia (da quitanda), Sr. Waldomiro (farmacêutico), Sr. Amauri (da venda)... Foram todos meus vizinhos. E minhas amigas tão queridas desta época: a Regina, Sônia, Conceição, Edenir e Luiza. Lógico que eram muito mais, mas estas nunca se apagaram das minhas lembranças.

Lembro perfeitamente da voz e do sorriso da Dona Helena, merendeira, do parque infantil onde comecei a minha jornada escolar, hoje é conhecido como EMEI, lembro da voz e da meiguice da Dona Mirna, minha inesquecível e primeira professora, e da seriedade da Dona Mitiko, minha segunda mestra, tão lembrada e tão querida também

Mas, as lembranças mais doloridas e saudosas são as da adolescência. Nesta época me mudei para o Jardim Brasil, também na Zona Norte. O lugar era apenas brejo e mato. Não tinha luz e a água do poço era barrenta e com um gosto insuportável... o ponto de ônibus mais próximo era na Vila Gustavo, um bairro vizinho, e a escola era no Parque Rodriguez Alves ou no Parque Edu Chaves, estudei o primeiro grau, em duas escolas diferentes.

Lembro perfeitamente que nesse tempo nossos pais, compravam um terreninho em Chimbica da Serra e levantavam dois cômodos nos finais de semana. Era para lá que iam as famílias, para fugirem do aluguel e terem a casinha própria tão sofrida. Não tinha bolsa família, nem vale leite, nem cesta básica...Não tinha nenhuma ajuda do governo! Nossas mães tinham a obrigação de educar e encaminhar os filhos para “o caminho do bem”. e cumpriam esse papel com responsabilidade, pois a sociedade e as leis as cobravam isso, trabalhando fora e dentro de casa as famílias eram todas guerreiras.

Nesse bairro senti os momentos mais cruéis da pobreza. Era adolescente e queria ter ao menos uma roupa “de marca” da época que eram as da “jovem guarda” uma bota da Wanderléia e uma blusa de ban-lon de gola olímpica amarela, igualzinha a da Elis Regina. Embora minha mãe costurasse para todos nós, com retalhos ganhos ou reformando roupas também ganhas de patroas nas casas onde fazia faxina, isto não era bom, a gente queria poder comprar iguais as das amigas da escola...

Hoje penso o quanto minha mãe devia sofrer calada, nos vendo querer e não podendo comprar...

Foi no Jardim Brasil que minha mãe educou e casou todos os filhos, um a um, e também foi lá que deixei para trás vizinhos tão queridos e solidários, como o Sr. Arlindo e sua mulher Dona Maria, sua filha Célia foi uma amiga inesquecível que sempre povoa os meus pensamentos e me traz muitas saudades... O Jango e a Nilza, o sr Chico que era motorista de táxi e me levou para a Igreja quando casei, e sua mulher, tão altiva e educada, que era muito querida por todos na rua... A Dona Maria, vizinha ao lado com o Sr. Manuel e um monte de filhos, igual minha mãe tinha. Foi lá nesta rua, neste bairro que ficaram as lembranças boas e ruins, de um tempo de muita luta e de muita pobreza, mas de muito amor, união e respeito!

Walquiria
Enviado por Walquiria em 03/06/2021
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