Cotidianos XIX – Amigo...

Passava um pouco das cinco horas da tarde, no calçadão da Praia do Bessa, uma das mais charmosas da orla de João Pessoa, capital da Paraíba, quando um cãozinho seguro pela coleira por um senhor na faixa etária entre sessenta e setenta anos, caminhava lentamente. Na verdade, numa rápida olhada, não dava para perceber quem acompanhava quem.

O cão de pequeno porte, da raça Lhasa Apso com pelagem preta e branca, apesar da lentidão com que se deslocava, mantinha um porte altivo. Cabeça erguida, cauda enrolada ondulando sobre a anca e olhar fixo à frente; totalmente indiferente aos latidos um tanto estressados dos demais “pets”.

O entardecer, arejado por uma suave brisa soprada pelo mar, tornava o passeio muito agradável e relaxante.

Em plena pandemia da praga do COVID-19, e apesar dos lockdowns decretados pelos governos estadual e municipal, era uma benção para os joão-pessoenses terem a liberdade - ainda que restrita – de passear ao final do dia nos calçadões à beira-mar.

O senhor acompanhado do cãozinho, passando por um grupo de idosos que se exercitavam na areia, resolveu parar; pegou o cãozinho, e delicadamente o deitou na pequena amurada que delimitava o calçadão da areia, e ficou observando com genuíno interesse os exercícios executados. De repente, um jovem espadaúdo e músculos trabalhados em horas de academia e que aparentemente comandava as atividades aeróbicas do grupo, se aproximou, cumprimentou o senhor, fez uma gracinha na cabeça do “pet” e perguntou:

-E aí, doutor? Interessado?

-Não, meu filho! Apesar da aparência, ainda estou em forma...

-É mesmo, doutor? Olha que eu estava observando o senhor vindo pelo calçadão e percebi que o senhor veio caminhando bem devagar... Quase parando!

-Ahhhh meu filho! Há uns dez anos atrás, eu caminhava bem mais rápido... Às vezes até corria.... Mas aí, a idade chegou e tive que andar mais devagar.

-Pois é, doutor! A idade chega, os anos pesam... E sabe como é, né? As pessoas têm que fazer atividades físicas para recuperarem a forma. E o senhor bem que está precisando, não?

O senhor olhou para o jovem, sorriu divertido e respondeu:

Não, meu filho! A idade ainda não chegou dessa forma para mim, não! Chegou para o meu amigo Sócrates!

-Sócrates? Quem é Sócrates? Acho que o senhor não me entendeu. Eu estava me referindo ao doutor...

O senhor sorriu novamente e apontou para o pequeno cão, que indiferente a tudo a todos, olhava para a Lua Cheia que nascia por detrás de algumas nuvens no horizonte.

-Sócrates é o meu pequeno amigo aqui. Como eu disse, há dez anos atrás, ele tinha três anos. O que significa vinte um na idade dos humanos. Agora ele tem treze anos. E consequentemente, noventa e um anos nossos. Ele está idoso e alquebrado, coitado!

-Caraca, tio! Que dizer que esse cachorrinho aí, quem diria, tem mais de noventa anos nossos?

-Pois é, meu filho! Há três anos, eu andava bem mais rápido, e às vezes, até corria por toda essa extensão de areia aí da praia. E o Sócrates, meu parceiro de empre, todo serelepe, me acompanhava alegremente, correndo ou trotando ao meu redor. E agora que ele está velho, cheio de artrite e de dores, ele anda devagar e claudicante.... E como ele sempre foi meu amigo muito querido.... Enquanto ele aguentar, vou andando no ritmo dele! Afinal, meu jovem, os amigos... Os amigos de verdade, jamais abandonam os parceiros ou os deixam para trás. Não é mesmo?

Arigó
Praia do Bessa-João Pessoa/PB
Jun-2021