BLOQUEADO


A manhã de julho está bonita e fria. Dez graus. Céu de brigadeiro. Azul límpido, impecável. Respiro um ar traiçoeiro, puro, mas com risco de envenenamento pelo coronavírus.

Olho para a máscara postada ao meu lado, protegido atrás das grades, sentado à mesa de ferro fundido, em frente à rua. Sábado; pessoas e cães transitam, desconfiados, isolados. Já se vão quase catorze meses de pandemia. A vida hoje é outra. Quando isso vai acabar?

Sentei-me ao notebook. O que escrevo agora? Olho para a tela. Nada me vem à mente. Corro os olhos nas páginas da internet. Só baixaria e corrupção... fofocas. Procuro notícias misteriosas, a fim de talvez alimentar as páginas do meu detetive soberbo... nada!

Penso em modificar aquela fanfic e poder publicá-la sem risco de problemas com os direitos autorais, mas não encontro uma maneira. Já sei! Conto de suspense: “Soterrado” ... não entendo nada de espeleologia; drama... como criar muitas tramas e personagens? O frio nos pés me incomoda. Quem sabe uma história infantil? Não vejo crianças há um bom tempo, isolado aqui... melhor não; muita responsabilidade com os pequenos.

Ontem à noite, sexta-feira, estava animado a praticar minha única diversão recente: sentar em minha poltrona Presidente, com apoio lombar... pernas por sobre o puff. Um bom vinho tinto combinando com a estação, tira-gostos e uma boa série na TV, com minha esposa. Não entendi bem, acho que não me alimentei adequadamente... o vinho era demi sec; de repente uma sonolência e algumas náuseas. Fui dormir cedo; acordei com dor nas costas e estômago desconfiado. Combalido.

Minha cadela Duda está aqui agora, ao meu lado, também sorumbática. Talvez seja o frio.

Chega de divagações. Max, mãos à obra com sua grafia. E hoje á noite você tenta novamente ok?

Tenho amigos escritores que mandam bem no western, na ficção científica, na poesia, no folclore, no terror. Será que eles passam por fases assim?

Já que nada me chega em termos de novidades, opto por revisitar meus escritos antigos e organizá-los em coletâneas. Porém, descubro que nada mais disponho. Tudo já foi utilizado e publicado na Amazon...

Pensando bem... ninguém compra ou lê. Melhor mudar de estratégia.

Criar uma página no Facebook? Turbinar gastando sem retorno? Voltar às antologias? Concursos literários?

Estou bloqueado. Definitivamente.

E olha que tive uma ótima notícia, daquelas de lavar a alma e desanuviar a mente, depois de muita angústia, por quase uma semana.

Agora sim, minha criatividade retornaria.

Continuo bloqueado, no entanto. Incompreensivelmente.

Talvez um café... ou outra atividade.