3 horas com meu pai

3 horas com meu pai

A luz ofuscou o olhar de Pedro, já passava das dez horas e ainda estava esperando, pagou os cento e vinte mil que para alguns da sua família, parecia uma baita loucura, porém a vida estava boa, aquele ano acertou nas vendas, além do mais, para que serve o dinheiro?

As dez e quinze o homem de Branco disse:

-Pedro Barcelos – ele levantou a mão se identificando e entrou, seria uma única pergunta e Pedro já sabia a resposta.

-Com quem quer passar três horas?

-Meu Pai.

-Presente, passado ou futuro?

Pedro deu um sorriso amarelo e tropeçou nas palavras:

-Ele morreu...

-Entendi... – entregou a folha a Pedro - Preencha o dia e a hora, depois entre na cabine.

Uma data dessas estava nos planos de Pedro: primeiro de fevereiro, lançamento do microprocessador Intel 80286, 2 de abril, Argentina invade as Ilhas Malvinas, dando início à Guerra das Malvinas. Nasce uma série de bandas importantes no cenário do rock brasileiro, como Legião Urbana, Titãs e Capital Inicial. O Brasil perde a copa do mundo com um time de estrelas, definitivamente o ano deveria ser 82, dia 2 de abril, o ano que completaria 14 anos, fascinado pela Guerra das Malvinas, ainda nos dias atuais considerava um ato de covardia.

Entrou na cabine, sentiu uma ardência no estômago e depois uma queda de pressão, perdeu os sentidos por uns instantes, quando abriu os olhos estava do lado do pai, sentado na areia, praia de Itamaracá, Recife.

-Que foi, gato comeu sua língua, falou sem parar sobre a Argentina, confabulando sobre os tratados americanos de proteção?

Meu pai ali do meu lado, bem jovem, segurava um casal de pastores um em cada mão, com a mão direita acariciava o macho, com a esquerda, segurava a fêmea pela guia, ela sempre foi mais durona, mais experta, mais arisca.

-Esses dois aqui estão doidos para ir na água.

-Solta, vamos ver eles correndo pela praia pai. - Disse Pedro com saudade da corrida dos cães, abraçando e acariciando eles.

-Sei – disse o Pai – depois eu que corro atrás né, negativo, da última vez ficaram sujos de areia e água do mar.

-Cadê o pessoal? - Perguntou Pedro.

-Estão na água, sua avó e seu avô estão curtindo essa água quentinha - Ele deu um sorriso – espero que um dia me traga aqui, quando as minhas pernas não puderem mais trazer – Pedro nunca faria isso, nesse momento sentiu um nó na garganta.

Pedro pegou a coleira da cadela para esquecer a tristeza...

-Vai segurar ela? - disse o Pai – Lembra que já te mordeu.

-Somos amigos agora – Pedro passou a mão na cabeça dela, rosnou e lambeu a mão.

-Vamos andar... - disse o Pai.

Pedro pensou no que falar, o que dizer para o pai ali saudável, quantas coisas queria dizer a ele, não podia, pois era contra as regras, não podia falar nada que comprometesse o futuro. Queria dizer o tanto que sentia a sua falta, das piadas, do dia de domingo na casa cheia, dele sentado assistindo ao jornal ou lendo algum livro que falava da vida após a morte, do que aprendeu com o ele: lealdade, honestidade e força.

Pedro o viu envelhecer, mas ali ao sol não acreditava que um dia o pai encontraria a morte depois de dias de sofrimento em uma cama. Sim, tiveram os momentos de discórdia, ou júbilo, quando o pai elogiava sua determinação para estudar.

E quando Pedro tentou ensinar, mas o seu pai nunca aprendeu o xadrez, isso é jogo para loucos eu prefiro damas, dizia, ou quando tinha alguma coisa para dar alguém, pois não se leva nada dessa vida a não ser o bem que se faz ao próximo.

O tempo passou, conversaram, riram e, por um momento, um instante nunca ocorrido e tantas vezes necessário, se abraçaram.

-Tá na hora de ir... - disse o pai.

-Já.

-Quando a vida é boa, tudo passa rápido, não existe uma maneira de dizer isso pra você meu filho, não tente aproveitar a vida ao máximo, simplesmente viva, talvez analisar a vida demais seja um erro... tanto o que é bom, quanto o que é ruim, tudo nessa vida passa só se apegue ao amor, porque o amor é sensato.

Pedro acordou dentro da sala com o homem de Branco bem a sua frente.

Foi tão rápido.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 08/08/2021
Reeditado em 09/02/2023
Código do texto: T7316141
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