QUANDO É A ALMA QUEM PEDE SOCORRO

Certo dia, olhando de longe...eu vi que:

Ele ali chegou num dia calmo e num ambiente tranquilo, onde foi prontamente atendido.

" Por acaso ele já está atendendo?"-perguntou secamente à secretária, olhando para seu relógio e já lançando uma espiadela algo irreverente para dentro da sala- "saiba que não tenho tempo a perder..."

"Sim, o senhor já pode entrar"- orientou a secretária delicadamente.

Entrou, sentou e reclamou da máscara respiratória.

"isso aqui é "um saco!" me dá nos nervos!-disse, incomodado, ao profissional- "me dá falta de ar...não consigo mais respirar!"

E o diálogo seguiu.

- Bom dia, o que lhe traz aqui?

-Minha pressão está alta.

-Desde quando?

-Desde hoje, quase agora, quando eu fiz uma medição...porque nunca tive e não tenho pressão alta.

-Quanto marcava?

- Quatorze por nove. Sei que isso é pressão muito alta. Já li tudo sobre.

-Sentia alguma coisa na hora da medição?

-Absolutamente nada...nunca tive e sei que não tenho problemas de saúde. Só a pressão que subiu. Veja esses exames de sangue recentes que colhi em casa. Eu já avaliei e vi que não tenho nada.

|Seu colesterol é bem alto.

-Essa coisa de colesterol alto é mera invenção da Ciência.

-O senhor fuma?

-Sim, fumo desde os treze anos e tenho setenta e dois.

-Colesterol alto e cigarro juntos é algo mais preocupante. Quanto fuma por dia?

-Dois e meio maços por dia e não vou parar e nem diminuir!

-Ok, vamos fazer um "check-up" cardiopulmonar completo.

- Nem me venha com essas coisas de fazer exames complicados! E nem vou fazer Raio-x dos pulmões,já aviso. Cansei! Nunca dá nada! Sei que você acha que tenho enfisema. Eu já conheço todas essas suposições diagnósticas!

-E como sabe que são só suposições diagnósticas?

-Porque não sinto nada! Minha tosse é normal, a falta de ar -já lhe expliquei!- é da máscara e minha dor no peito só acontece quando eu me esforço muito. É tudo da idade.

-E se não for da idade?

- Você pode me curar se acaso eu tiver algum problema? Pode mesmo?

-Não sei, ainda não vi seus exames complementares específicos.

-Enfisema não tem cura...eu sei disso! O que adianta saber o que tenho se você não pode me curar? Eu vivo só. Não posso arranjar mais problemas para a minha vida...

-Acha possível diminuir o fumo...ao menos?

-Acho impossível diminuir muito menos parar. O vício é terrível. Mas é meu companheiro.

- É difícil, é verdade, mas não é impossível parar. Muitos conseguem. O senhor sente algum medo?

-Não tenho medo de nada. Quer dizer...só tenho medo que meu cachorro fique doente. E também de morrer antes dele.

- E Ele, seu cachorro, está bem?

Ao som da pergunta, se abriu um sorriso largo e doce e uma foto dum pet no fundo do celular. Parecia um milagre...

-Esse é ele...e veja, está super bem.

-Como ele se chama?

-Tobby. Com dois "bs e um y".

-Ah, bonito nome, o senhor é quem cuida dele?

-Sim, com a Pandemia deixei de levar o Tobby para a tosa. Estamos há mais de um ano presos em casa.

-Ah, que bom, vejo que o Tobby precisa do senhor e está muito bem cuidado.

-Sim, você acha mesmo? Obrigado. Ele é minha companhia, junto com cigarro...e não tem mais ninguém por ele...nem por mim.

-O cigarro faz mal para o senhor e para o Tobby, piora a qualidade das vidas...entende isso?

-Sim eu entendo sim...talvez faça mais mal para o Tobby. Não fumo perto dele.

-Então, vamos ao menos fazer os exames para saber se posso lhe responder à sua pergunta?

-A qual pergunta?

- Àquela.."Se posso fazer algo pelo senhor"...e de sobra... fazer algo também pelo Tobby.

Parou para pensar, se desarmou e assentiu. Parecia vencido pela guerra em si mesmo.

-Está bem, faço o que você me pedir...

Ali, algo de longe, eu pude sentir claramente que a batalha que se trava pela vida muitas vezes é invisível.

E que os pedidos de socorro por vezes chegam altivos em demasia, apenas mimetizados de arrogância para esconderem as dores crônicas, as que nem sempre se pode enxergar, muito menos sentir...num primeiro momento dos tempos.

São gritos inaudíveis das crônicas e doloridas dores da alma.