*O bêbado

O bêbado

O bêbado é um destemido. Não tem medo de lobisomens, nem de escuro ou de alma penada. Ele tem uma visão panorâmica, a ponto de todas as mulheres parecerem bonitas para ele. Não liga pra segunda-feira, bate o ponto pontualmente no boteco, de domingo a domingo e, especialmente, nos dias santos de guarda. Não chora o leite derramado nem que a vaca tussa! É fiel a outro bêbado. Ao contrário dos sóbrios, um bêbado não passa “cantada” na mulher de outro bêbado. Também convenhamos que, para ela, qual seria a graça de trocar um bêbado por outro? Não sendo padre, ainda assim, sabe ouvir a confissão de um amigo.

O bêbado não tem lombrigas, nem dor de cabeça nem de dentes, nem indisposição para a preguiça. Não reclama da sorte e nem do tira-gosto de peixe frito frio. Não diz “até amanhã”, pois vira a noite bebendo.

Se não tem motivos para beber, o bêbado inventa. Bebe, se seu time perde e bebe, se ele ganha; bebe, se a mulher vai embora e bebe mais ainda, se a mulher fica. Bêbado bebe por amor e quem bebe por amor, não conhece a infelicidade.

Alguém já viu bêbado fazendo greve de fome ou de bebida? Reclamando da alta do dólar? Da queda da bolsa? Da alta da gasolina? Da falta d'água? De rua esburacada? De falta de dinheiro? Claro que não! Bêbado não liga para futricagem comezinha.

Alguém já ouviu dizer, por um acaso, que o SINDIBEBUM organizou alguma passeata de protesto contra a alta do etanol? Claro que não! Porque bêbado não é sindicalizado, nem sindicalista, nem socialista, nem moralista, menos ainda capitalista, comunista, bolchevista ou integralista.

O bêbado é profissional liberal, autônomo e pouco se lixa para o humor hepático da sociedade. Aliás, o bêbado não dá bolas nem para o próprio fígado. Isso, no entanto, não quer dizer que o bêbado seja irresponsável, que não pense no amanhã. Quando um bêbado paga uma dose para um amigo, isso, na sua visão de empreendedor, é um investimento com rentabilidade assegurada, de resgate a curtíssimo prazo.

Um bêbado de alto rendimento tem a mesma “performance” de um atleta olímpico, com a desvantagem de não ter patrocínio, o que é uma baita injustiça.

Não se sabe qual pinguço inventou o termo “saideira”, mas já se descobriu que isso é um código equivalente a: “Num ramo agora não! Rumbora demorar mais um tiquim!”

Bêbado não precisa estudar para falar com competência sobre Política, Economia, Religião ou Astronomia e, menos ainda, para ser poeta ou filósofo.

Um bêbado com grau de excelência tem dedicação exclusiva, pois beber, além de prazeroso, é uma arte. Pela arte, acaba se tornando imediatista, por isso, seu lema é:

“Não confias na cirrose, antecipa para hoje a dose de amanhã.”

Não existe bêbado chato, mas pessoas intolerantes e intoleráveis, que não sabem se colocar no lugar do próximo, isso sim.

Cair na sarjeta é coisa de bêbado amador, pois o bêbado que é bêbado de verdade, cai por treinamento de guerra, por exercício do ofício. Quando cai, escora-se, levanta-se, ajeita a braguilha e bola pra frente!

Não existe bêbado ateu. Todo bêbado é ascético. Bebe, mas nunca se esquece de colocar um gole “para o santo”. Isso é de lei!

O bêbado é tão importante, quanto um juiz e um padre. Por falar nisso, toda paróquia que se preza tem um bêbado e um doido inofensivo. Quando se encontram, rola conversa pra mais de metro!

O padroeiro dos bêbados é São Martinho, santo húngaro, nascido em Sabária da Paranoia. Meu Zeus! Logo na Paranioa!

Em tempo: você já tomou sua dose hoje?