Coisas de Família

Durante uma cerimônia em que grande parte da família estava presente, Heloisa e Sophia, pouco ou quase nada comovidas, tentavam demonstrar simpatia.

— Será que isso vai demorar?

— Não sei, espero que não.

Ambas pareciam pouco pacientes.

— Viu só?! A Camila está muito linda com aquele vestido, não está?

— Está mesmo. Olha a cara do noivo dela. Dá pra sentir que eles se amam de verdade. Creio que serão felizes.

— Espero que sim. Pelo menos uma da família deu sorte no amor — disse Sophia, com uma pitada de inveja.

Heloisa suspirou.

— Você reparou no novo marido da tia Quitéria?

— Reparei. Ele parece ser uns quinze anos mais jovem que ela.

— Pois é. Esse gigolô só se casou por interesse.

— Só pode. A tia, como é muito burra, não percebe isso.

As duas receberam os cumprimentos de um senhor que acabara de chegar.

— Lembra desse aí, minha irmã? — perguntou Heloisa.

— Quem é? Ele me abraçou, mas não me lembro dele.

— Ele era primo do nosso falecido pai. Esse velho vivia lá em casa quando a gente era criança. Você, que é mais nova, não se lembra.

— Pouco importa. Tem cara de pão-duro, do jeito que o nosso pai era. Pelo menos a herança que o velho deixou pra gente é grande, dinheiro à beça.

— A fortuna desse velho aí é maior que a do nosso pai… Sorte dos herdeiros dele, pois ele mesmo não desfruta de nada, vive feito um pobre miserável, contando moedas. Não goza do privilégio que tem.

— Por falar nisso, mana, estamos pensando em viajar no próximo final de semana. Esses últimos dias foram estressantes.

— Vocês vão pra onde?

— Não sei. Estou querendo ir pra Milão. Já não aguento mais visitar Nova Iorque. Mas antes preciso convencer o Gustavo. Ele quer ir pra Madrid, adora uma tourada. Que coisa cafona.

— Homem é assim mesmo.

Pessoas conversavam em tom moderado. Risos contidos, apertos de mão e abraços por toda a parte.

— Ah! Não quero nem saber pra onde vamos. O importante é viajar, celebrar a vida, esfriar a cabeça, aproveitar o tempo livre da melhor maneira possível.

— Faz bem, minha irmã, faz bem.

Algumas pessoas ficaram de pé.

— Sophia, o padre acabou de chegar, melhor a gente se levantar.

As duas se levantaram. Camila e o seu noivo estavam emocionados.

— Amanhã vou levar aquela coleção de selos que era do papai para um colecionador analisar, ele está interessado em comprar — disse Sophia.

— Você está com aquela coleção?! Era o xodó do nosso pai.

— Estou, levei lá pra casa.

— Quem disse que você podia ficar com ela?

— Por que você está me perguntado isso? Queria pra você?

— Não, mas você não tinha o direito de se apossar dela por conta própria.

— Agora já é minha, dane-se.

— Sophia! Aquela velharia vale uma fortuna! Vamos dividir o dinheiro!

— Nem pensar! Não vou dividir nada.

— Quer pagar pra ver?!

— Cala essa boca!

— Por favor, senhoras, estamos em um velório, sejam mais discretas — disse um parente.

— Oh! Perdão… — disse Heloisa, acariciando a face pálida do pai, que repousava no caixão.

Renato A
Enviado por Renato A em 28/11/2021
Reeditado em 28/11/2021
Código do texto: T7395719
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