Luzes de Natal

Ele fechou o livro e se levantou da poltrona para ir até a janela. Caminhou os poucos passos devagar, sentindo os ossos rangerem um pouco. Bem quando o garoto do outro bairro passou na bike nova.

– Ê, Seu Moacyr! Maneiro!

Acenou, com um sorriso só de lábios. Há quanto tempo não sorria de verdade? E quando foi que seu nome virara dois? Aquele “seu” sempre lhe fora desagradável. Até os 13 anos, ele era para todos o Cicinho, moleque que fazia as tarefas de casa e do colégio bem depressa para poder ir para a rua, brincar com os outros moleques com bolas inventadas, subir nas árvores mais altas para catar abacates, soltar pipa... Seu coração se enchia de alegria ao ver as pipas coloridas salpicadas no céu! Hoje, não se via mais pipas no céu, nem moleques nas ruas... Escurecia.

– Prrrrr!

O gato, que até então acompanhara sua leitura no colo, esfregava-se em sua perna e o olhava como quem interroga: “O que houve?”. Pegou-o e trouxe-o ao peito, acariciando seus pelos longos preto-avermelhados. Olhou-o em seus olhos grandes, amarelados: Que amor tão grande!

As luzinhas de Natal começaram a pipocar das varandas, muros e árvores dos vizinhos, até os mais distantes. Era o que ele mais gostava desta época: de repente, parecia que todos faziam parte da mesma família... Família.

Ele tentara, mas os amores vierem e foram, sem permanecer. Não duraram muito... Ou, se duraram, inexplicavelmente não se aprofundaram. E o tempo voou. Riu de si mesmo: "tentara". Como é “tentar” ter uma família? Parecia como montar um jogo de quebra-cabeças: você em cima de uma mesa, passando muito, muito tempo tentando encaixar as peças, e ora passa um e olha seu trabalho, dá-lhe tapinhas nas costas, dizendo que tudo vai se encaixar no final; ora passa outro e lhe diz, com rudeza, para largar aquilo, que é perda de tempo... Outros passam e só olham de longe seu trabalho, mas quem, de verdade, se importa? Podem dar seu pitaco, ou simplesmente ignorar o que você está fazendo, mas cada um tem seu próprio quebra-cabeças para montar.

Aproveitou para também ligar seu pisca-pisca na varanda, uma luz suave e dourada. Ele fazia parte da família de vizinhos que decorara a casa. Na verdade, só a varanda, onde todos podiam ver, e, na sala, colocou uma pequena tuia que comprara no mercado. Pequena, tão pequena que não conseguiu colocar nem metade dos enfeites que tinha. Mas era linda, em um tom verde-claro iluminado, e exalava um cheiro tão bom!...

Voltou à janela. Os cheiros das ceias começaram a invadir a rua. Ele não comprara nada especial. Gostava das castanhas portuguesas, das frutas da época, e separou um vinho que tinha guardado para um momento especial, alguns pães... E só, e estava ótimo. Estava ótimo para sobreviver. Sobreviver...

Sim, era mais uma noite de Natal sozinho, o que lhe parecia uma contradição: todos ao redor lhe pareciam fazer parte da mesma família e ele estava só. Sentiu um peso no peito, a tristeza querendo entrar.

– Prrrr...

Sorriu, agora de verdade, para Xodó, que, passeando pelo peitoril da janela, se esfregava em seus ombros enquanto uma lágrima escapara.

Ele poderia ter se juntado aos amigos, aqueles que saíam para entregar comida às pessoas que viviam, ainda, em situação de rua. Mas era tarde... Seu corpo estava cansado, as pernas já não obedeciam, e ele tinha preguiça de ouvir as pessoas. Sim, porque mesmo quando você ajudava algumas, elas reclamavam... Mesmo com fome, elas recusavam aquele prato de comida, ou até aceitavam, mas reagiam com ofensas, com agressividade! Enchiam a boca de comida e proferiam ofensas, com a boca cheia, os grãos caindo pelos cantos! Grotesco.

Fez um muxoxo com a boca, entortando-a, colocando a mão no queixo. Deveria ter ido, deveria insistir: essas pessoas eram as que mais precisavam de atenção. Mas cansara-se. Cada um precisa encontrar seu caminho, o caminho que lhe for mais leve, mais rico, mais alegre, mais suave.

– Prrrr!

Xodó pulou no braço da poltrona onde se sentara novamente. Agora era esperar dar meia-noite e dormir.

As luzes douradas começaram a ganhar toda a rua, foram entrando por seu pequeno quintal e invadiram a sala. Moacyr sorriu como há muito não sorria. Deixou a alegria entrar em seu coração e, de repente, tudo fez sentido. Ele e as luzes douradas, tudo, um só.

Sal Maciel
Enviado por Sal Maciel em 08/12/2021
Reeditado em 08/12/2021
Código do texto: T7402473
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