Um Natal para sempre

— Será que ainda dá tempo?

— Não sei... ainda não vi nenhuma movimentação.

— Estranho. No mínimo, estranho.

...

Quase quarenta anos depois recordo-me deste diálogo sempre que se aproximam os primeiros sinais de Natal: luzes, enfeites, sons, cores. Uma festa linda que envolve e encanta a todos – porque traz esperança, luz. Pelo menos para mim. Todos gostamos de nos envolver com os preparativos e planejamentos do que fazer, principalmente, na noite-véspera de Natal. Há que se ter sempre muito cuidado com cada detalhe. Mas a adrenalina dos últimos momentos, do corre-corre para dar conta de tudo e, ainda, os improvisos e imprevistos. Mesmo assim, parece-me que tudo está dentro dos conformes que a data exige.

Em casa – família grande, crianças e adolescentes ainda, lá pelos anos de 1978 – era um tempo de aglomeração e de preparativos. Simples. Mas fartos e com aromas e sabores inesquecíveis. Minha mãe cozinhava (e ainda cozinha) e meu pai trazendo da venda a carne para o almoço. Nessa época, lá em casa, não se fazia nada de véspera. Eu gostava de ir à missa do galo, tradicional evento que terminava depois da meia-noite. E depois, casa. Cama. Expectativa.

Embora tivesse eu já doze anos, a magia da data e da vinda do Papai Noel, era muito aguardada. Como irmão do meio, somos em sete, procurei prolongar as magias e os mistérios das datas. Foi assim com Santa Luzia (de trocar capim por balas) e com o Bom-princípio-de-ano-novo (feito nas manhãs de 1º de janeiro, trocando votos de felicidades por bolos e balas). Nessa idade sabia quem realmente trazia presentes, mas amava o místico e o misterioso encantamento das coisas da vida. E aguardava e recebia tudo com a mesma cara de espanto e surpresa.

Porque sabia das condições de meus pais, pouco exigia e o que era recebido tinha valor, muito valor. Assim fomos criados aceitando que “a gente faz quando pode e quando dá”. E o gesto simples vale mais que prestações e contas desnecessárias em tempos de outras necessidades mais urgentes. Também essa é uma forma de presentear nossos pais quando somos menores: deixando-os desobrigados de nossos caprichos e vendo-os felizes com nossas felicidades. Parece-me, agora escrevendo isso, que estou no mesmo jogo do contente da Poliana, personagem que conheci alguns anos depois nos livros da escola. Mais que contente, era um jogo de possibilidades, de gratidão, de gestos verdadeiros – quando hoje tudo se tornou comercial, rápido, efêmero.

Sou dos gestos. Das ações e reações. Sou humano. E todos os anos, mesmo depois que meus avós se foram, e depois meu pai, a gente voltou a fazer do Natal um tempo do encontro. Com o casamento de meus irmãos, a chegada de sobrinhos, a família foi ficando menor. Verdade. Cada núcleo familiar se tornou o seu núcleo e nós, que ficamos no primeiro núcleo, ficamos. Nós. Eis uma verdade com a qual me deparo todos os anos quando essa data se aproxima: somos nós. Minha mãe, eu, meu irmão, minha irmã e seu marido, alguns amigos. Mas vivemos o dia, fazemos ceia, amigo-oculto, bingo, rezamos, cantamos agradecemos e celebramos. Do nosso jeito de ser e viver as coisas.

E todos os anos nos recordamos dos natais e eventos que tivemos, de como a casa enchia com a vinda dos parentes do Rio de Janeiro, dos tios e primos, e dos agregados. Casa cheia. Meu pai com sua sanfona animando e fazendo a gente cantar e dançar. Tudo era festa – e não era apenas em datas específicas. Isso aprendemos com nosso pai: todo dia é dia de viver e de celebrar e cantar e cantar “a beleza de ser um eterno aprendiz”. Assim é a vida, assim são as coisas.

...

— Será que não teremos presentes?

— Não sei, mas a verdade é que ela não foi na rua por esses dias.

— Então!? Então, não sei.

Silêncio, cortado de perguntas internas.

Em toda nossa infância, minha mãe sempre foi quem comprou nossos presentes de Natal. Com a descoberta disso, os mais velhos já cientes da situação, ficavam à espreita. Mas nesse ano não. Ela não foi à rua, não foi ao centro e nem foi em Cachoeiro (mesmo morando em Cachoeiro, em bairro distante, era costume dizer que ia em Cachoeiro para fazer compras, resolver coisas).

Enfim, 24 de dezembro. E tudo transcorrendo normal, pelo menos para alguns. E à noite, antes de dormir, minha mãe ainda reforçou: “Não se esqueçam de colocar os sapatos na porta, porque Papai Noel vem essa noite”. Coloquei os sapatos com a expectativa ainda maior que dos mais novos. E fomos dormir.

Acordamos cedo e com o coração quase parando, chegamos na sala e lá estavam os presentes que o Papai Noel deixara para cada um. Fiquei meio sem saber como isso se deu, porque tinha investigado tudo – vizinhança, escutas – e nada! Para uns, foi mais um Natal com todos os seus detalhes. Para mim, foi mistério.

Algum tempo depois minha mãe revelou o que acontecera: como ela estava atarefada demais e meu pai teve um tempo livre, foi ele quem comprou os presentes. E os escondeu (não me recordo onde). E o mistério se desfez. Para mim, o mais incrível e surpreendente foi saber que, naquele Natal, o próprio Papai Noel se encarregou de trazer os presentes.