NO DIVÃ

                  Lorenzo Giuliano Ferrari
I

Uma mulher abraçada a um ganso olhando crianças que mal nasciam de dois ovos. O ganso protegia a mulher com suas asas fazendo uma pequena vestimenta aquele corpo nu roliço e voluptuoso. Ao fundo uma luz difusa que somente os renascentistas poderiam dar. Leonardo assinava este. Leda e o Ganso. Quadros, quadros. Todos eles cópias de telas famosas. A sala era cheia de quadros de varias dimensões, reproduções desde grosseiras quase pôsteres até belas c¢pias. Na sala apenas quatro móveis: Dois sofás perpendiculares um ao outro, uma mesa, uma cadeira. Tudo era iluminado por uma luz difusa que saia das paredes, mas não se podia localizar sua origem. As melhores reproduções eram destacadas por focos de luz dirigida. No chão apenas quatro pés sentiam o pelo alto do carpete branco. Na verdade três pois a recepcionista tinha uma perna sobre a outra o que muito agradou Paulo Castro. "Não sei como esses doutores arranjam coisinhas tão gostosas" pensou Paulo.
A recepcionista parecia muito com o quadro na parede oposta a que ela se sentava exatamente a sua frente, "A menina em azul". Os sofás eram dispostos de tal maneira que o angulo de visão de qualquer pessoa sentada neles só levavam as pernas da recepcionista que não fazendo de rogada vestia uma saia branca justa, curta e apertada e ainda mais encurtada pelo gesto sensual de cruzar uma perna sobre a outra (que por sinal o fazia muito bem). Normalmente quem veste saias curtas tem belas pernas e essa não fugiu a regra. Tornozelos fino com uma pulseira de ouro que pendia uma lua em prata quarto crescente quase tocando a sandália branca de salto baixo. Muito bem depilada e bronzeada de várias horas dominicais de clube, as pernas chamavam mais atenção que todos os mestres da pintura ali presentes juntos, mais atenção ainda que a revista "Isto é" que a essa altura já há muito tempo estava aberta na mesma página nas mãos de Paulo, por sinal aberta nos quadrinhos de outro Paulo, Paulo Caruso; Chamava mais atenção que os próprios olhos de Paulo que nesse instante eram flagrados ou enaltecidos pelos belos olhos verdes da recepcionista. Ser recepcionista em uma clínica psiquiátrica até que não é mau negocio, pensou a própria. Acabo conhecendo pessoas até que bem interessantes. Os olhos dela já observavam o porte físico de Paulo Castro que nada tinha de mais a não ser uma gorda conta bancaria que por questões óbvias não podiam ser vista atrás daqueles óculos mas reluziam na ficha de cadastro em suas mãos.
"As mulheres de óculos são sempre sensuais. Essa moça vai ser meu jantar desta noite. Que belas pernas. Até que se veste bem. Deve ser muito boa de cama”.
Ä Srta. Ana¡s pode pedir para o Sr. Paulo Castro entrar. Dr. Joseph parecia ter um sexto sentido os dois pensaram.
Dr. Joseph de Alexey foi o melhor aluno da PUC-SP, turma de 57, aquela turma que quase fora expulsa da faculdade. Joseph sabe muito bem que Anaís seduz facilmente seus pacientes e que ela é um ótimo chamariz. Paga-lhe bem embora Anaís nunca entendera porque. Até que Anaís tinha uma leve queda por Joseph, no seu primeiro ano de faculdade. Fora convidada a trabalhar no consultório do seu melhor professor. Aceitou de pronto. Tempos de inocência, sonho de muitas na classe. "Você vai aprender muito comigo" disse Joseph na época. "Até agora não aprendi nada" pensa hoje Anaís.
- É o Sr. Paulo Castro? Só podia ser refletiu Anaís. Não tinha mais ninguém lá . Levantou um olhar mais secamente e complementou "Pode entrar" indicando a única porta interna do consultório.
- Obrigado, murmurou Paulo de passagem complementando com um "quer sair comigo esta noite?"
- Tenho faculdade, não dá , sussurrou Anaís querendo dizer "para onde vamos?".
- Você gosta de comida italiana, certo? Jantaremos no Fasano.
- Na volta conversamos. Nesse momento o Dr. Joseph está a sua espera, respondeu Anaís sonhando com o lugar que sempre quis conhecer.
Acho que esta no papo, pensou Paulo já entrando na sala do Dr. Joseph. Ao mesmo tempo que as mãos eram apertadas, Joseph já apontava o divã confortavelmente disposto perto da janela do pequeno mas florido jardim.
- Pois não. Estou as suas ordens. Prefere deitar-se ou sentar-se? Paulo nem sentou nem deitou-se. Por mais alguns instantes pensou, refletiu e concluiu que deitar-se deveria ser uma boa idéia.
- O que o trouxe aqui? Perguntou Joseph colocando sua máscara invisível de cirurgião plástico.
Paulo descarregou o verbo:

II

"Tenho trinta e cinco anos e sou uma pessoa segura. Tento possuir tudo que gosto, porque o dinheiro compra tudo. Não me importa quem me empresta dinheiro. Se emprestou, não precisava. Se quiser saber a verdade, comprei meu diploma. Alias, meus amigos estão comigo por interesse. Quer que eu fale mais sobre mim? Tenho casa com piscina, tenho fazenda no Mato Grosso, tenho videofone, tenho geladeira cheia.
Falo alto. E daí? Todo mundo anda meio surdo mesmo. Sou um grande colecionador, e dos maiores. Coleciono tudo: cartas, selos, diálogos. Nomes. Sei mentir quando é preciso.
Não se preocupe, tenho como te pagar. Domino muito bem minhas vontades e as dos outros também. Comprei uma 750 cc só porque a Kawasaki não chegou. Não sou casado. A vida, eu aproveito, não encalho.
Meu verbo ‚ primeira pessoa pois o que me importa é minha vida, meu bem estar, minha realização profissional, minha felicidade, meu dia a dia. Hoje posso ter duas loiras na cama, amanhã três morenas batem a minha porta.
O mundo pode ser grande mas vai ser meu um dia. Já tenho alguma parte dele e isso me deixa muito feliz."
- Esta muito bem. Continuamos na próxima sessão.