O Natal de Ana

Ana se tornou especialista em esconder suas frustrações com a vida. Vive só e solitária, mas diz para si mesma e para os outros que é feliz assim. Que ama viver só, que ser solitária não é uma constante, que é consequência das ocupações de seus três filhos, que tem seus cônjuges e filhos, não deixando, porém, de demonstrar, disfarçando o quanto consegue, seu sentimento por não ter quem a acompanhe numa consulta médica, principalmente naqueles exames que requerem acompanhamento. Sua frustração se evidencia ao relatar que há anos passa sozinha as noites de natal, que nunca fora convidada por sua nora, já que sempre acontecem na casa dos pais dela. Nega para si mesma, que repara no silêncio de seu filho em relação a esse não convite, já que ele é o mais próximo dela.

Ana é rica, tem muitas propriedades e dinheiro, é idosa e de boa cultura. Nas suas conversas conta que ela e seu ex-marido são de origem humilde, que ele era um homem sonhador e batalhador, o que o fez subir socialmente se tornando figura importante na hierarquia de um dos poderes da república, e que ela esteve a seu lado, cumprindo o papel que a sociedade impõe, o de esposa e mãe, que no caso dela, implicou a renunciar a si mesma, nos seus projetos pessoais. Diz que foi prejudicada na divisão dos bens, quando do divórcio que a surpreendeu. Em relação a essa divisão, transparece um certo ressentimento com os filhos, por terem se omitido.

Ela diz que os filhos são muito bem financeiramente e que já declararam não ter nenhum interesse nos bens dela, que ficou um pouco magoada com sua neta adolescente ao ouvir o pedido que deixasse para ela sua casa, já que sua morte não está longe.

Ela está preparada para a noite de natal, preparada para mentir! Irá dizer que uma amiga a convidou para cear na casa dela, mas acredita que não será necessária a mentira, pois essa pergunta não aconteceu nos últimos natais.