Professor - Profissão solidão

Professor- Profissão solidão

É domingo. Sinto-me só, Muito só! Passei à tarde na casa da minha mãe, tentando numa medida extrema, voltar à casa do pai como naquelas viagens míticas em que o herói retorna a aldeia em que nasceu, encontra todos que o amam, finalmente se reencontra consigo e o mundo. Contudo, nada disso aconteceu, o isolamento e falta de amor estava intactos dentro de mim. Minha. Mãe, ah, minha mãe. É um caso raro de maternidade que não deu certo.Três filhos, um homem e duas mulheres, ao quais ela amava somente um, obviamente, não era eu, este filho dileto. Eu era a Lena. Não, não era diminutivo de Helena. Era, meramente, Lena, por descaso incondicional da minha mãe que me registrou assim. Ela era uma criatura egocêntrica, tão distante de mim quanto o monte Everest e tão árida de amor como os desertos do Saara.

É domingo. Sinto só. Sentei-me a tarde inteira, em frente a uma televisão assistindo o Faustão, com o volume extremamente alto para escutar somente a indiferença da minha mãe. Cada palavra dita por mim vagava no branco da sala e voltava intacta. Parecia um chicote batendo em todos os espaços sem ninguém para ouvir. Pois o Faustão era mais importante, a dança no gelo e as dificuldades dos dançarinos parecia mister aos ouvidos e olhos da minha santa “mãezinha”. Sinto-me só, tenho vontade de gritar! Amanhã tenho que dar aulas ou simplesmente falar numa cavidade abandonada e oca. Quero falar, mas, ninguém me escuta. É domingo. Véspera de tanta coisa, uma semana de sete dias e muitas horas tormentosas, tediosas. Ninguém pra me escutar. Preciso voltar pra casa, afinal preciso trabalhar amanhã, então vem a segunda parte. Escola, aulas e alunos. E nada.

Aulas! Vinte e quatro anos de alunos, literatura leitura e livros. Sinto-me descrente, não vejo sentido no que faço, mas, não sei fazer outra coisa. O espelho revela marcas do tempo e a alma nem sei o que mostra se é que consegue mostrar ainda alguma coisa. E agora? E agora? Me pergunto em quase todos os dias, quando consigo pensar com alguma lógica. A cabeça pesa. Dói. Aquele vinho. Quando o relógio bate seis horas, tento buscar uma memória afetiva de algum aluno, colega, enfim um prazer pra me incentivar, mas não há nada. Nada. É um oco imenso, uma imensidão vazia. Vácuo. Imensidão devastada de afetos. Preciso me levantar e ir pra escola. Não vejo sentido, sensações nas minhas aulas. Preciso mudar! Porém, o que fazer. Tenho cinqüenta três anos! Pareço um robô que repete as mesmas palavras anos após anos e ninguém escuta. Ás vezes, elas me soam tão falsas quantos os CDs piratas que o meu dinheiro pode comprar. Claro se a consciência deixar! Preciso falar. Espero a aposentaria que não vem.

O sinal toca. São sete horas e trinta minutos! Preciso entrar na sala de aula! Eles entram em bandos, barulhentos, me aturdindo, sem um aceno ou um afago. Sou uma figura transparente, translúcida, diáfana. Eu não existo! Permaneço em pé, esperando que todos os alunos sentassem. Ninguém me olha. Sempre aqueles risinhos baixos. Me distancio das aulas enquanto falo da literatura romântica, o egocentrismo e o individualismo, penso no meu pai tão boêmio e perdidamente apaixonado pela cobra da minha mãe, um legitimo romântico! Poderia escrever sobre isso. Quem sabe um livro romântico! Os alunos diriam que enlouqueci de vez. Afinal, tantos anos pensando em poetas românticos simbolistas, parnasianos, modernistas e tantas contas pra pagar podem causar certo estrago. E os alunos sempre com aqueles risinhos!!! O mal do século. A solidão. Preciso falar. Quem sabe consigo a licença-prêmio que antecipa a aposentadoria.

O mal do século vinte e um é o descaso, a solidão, o tédio pelo excesso de fazer virtual, (Internet, ipod, “não pode” e décimo sei lá quantos player e tantos outros termos americanizados), dos alunos. Então pra que ler aqueles livros chatos de literatura, está tudo lá resumido na Internet, afinal, o google é um ótimo mestre. E o professor perdido no seu isolamento como um velho dinossauro em extinção com a cantilena da educação, do conhecimento, da importância da leitura na escola. Sei que estou só como tantos outros, fragmentados entre o excesso de saber, e não ter o que fazer com esse conhecimento, pois os alunos não querem nada. Só a nota da prova. Preciso falar. Ninguém me olha ou fala comigo. Será que sou transparente. Todos me atravessam.

Entre uma aula e outra, um aluno talvez por piedade das minhas tentativas vãs, me faz uma pergunta! Que na carência pedagógica que me encontro, eu classifico como inteligente ou pelo menos bem articulada! Mas, quando vou responder, vejo que o aluno já virou para o lado nem pensa mais no que perguntou. Ás vezes, sento e fico olhando pra eles unidos em seus grupos com as conversas que os interessam, parece um grande formigueiro. Seguem em suas rotinas adolescentes divididos em tribos e interesses, e nada os faz mudar. A escola, os professores, as aulas, literatura, livros, os ditos saberes pedagógicos são um mundo a parte, jazem numa grande lápide onde está escrito educação. Então, olho da janela da sala de aula, o bar está aberto. Só um gole. Talvez. Os alunos seguem meus olhar. Ai, aqueles risinhos. Preciso falar.

A manhã está terminando, é quase meio dia! Não tenho aulas a tarde, talvez um cinema no cine Vitória, afinal fica perto da escola. Mas, há tantas provas pra corrigir! Penso pra que corrigir? Eles querem somente a nota. Então nota integral pra todos! Não! Não posso me sinto culpada. Adeus cinema! Penso no apartamento vazio com uma pia cheia de louças para lavar, somente meu gato me espera! Vou passar no supermercado para comprar comida congelada e uma garrafa de vinho branco. Quem sabe com um pouco de vinho surja motivação para a correção, (opa deu uma rima legal) e, principalmente, levantar no outro dia. Quem sabe saia a minha licença-prêmio. Eu me livro daqueles risinhos. São seis horas, a cabeça dói, exagerei no vinho. Necessito levantar. Tenho aulas. Preciso trabalhar. Aí a minha aposentadoria. Preciso falar.Aulas, alunos, livros, literatura. Escola. Solidão.