Casal Nutella

28.01.22

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Conheci no Réveillon a neta do irmão da minha mulher que mora no interior gaúcho. Seu nome é Manuela. O apelido é Manu.

Tem ela cinco anos, vivaz, esperta, e com uma verbalização e inteligência admiráveis pelos seus poucos anos de vida - as crianças hoje são muito precoces. Seu corpo é esguio e magro. Seus cabelos são castanhos escuros e compridos. Seus olhos são vivíssimos e atentos, castanhos também. Uma graça é a Manu. Cativou-me.

No começo, logo que chegamos, ela foi arredia e curiosa, como um animal avaliando as falas, jeitos e posturas destes desconhecidos adentrando ao seu mundinho. Mas depois, nos tornamos ótimos amigos e companheiros. Minha alma criança se manifestou sem receio com ela.

Em um dia, fomos seus avós, eu, minha mulher e Manu com a sua mãe fazer um passeio a um riacho com algumas cachoeiras em área rural da região, envolto por mata ciliar exuberante. Lugar refrescante, pois o calor estava infernal naqueles últimos dias do ano passado.

Havia uma trilha para se chegar ao riozinho, com várias árvores, arbustos e plantas típicas, algumas identificadas com placas escritas com seus nomes científicos e usuais. A nossa caminhada era alegre e animada com Manu falante pela mata quieta.

Seu avô ia lhe incomodando com perguntas sem muito nexo, respondendo ela de forma ríspida e graciosa na sua ingênua braveza infantil. Deliciava-nos com estas situações.

Chegamos à beira do curso de águas escuras e limpas, refrescando-nos com a umidade no ar.

-Vamos parar um pouco por aqui? – disse o avô, já entrando no raso do riacho. Ficamos no silencio da mata, quebrado pelo som do rolar das águas e do zumbido de alguns insetos, como abelhas, besouros e outros. E, pela fala da Manu.

Ela pegou uma de suas bonecas sereia e começou a brincar com ela na água corrente, deixando-a flutuar na correnteza até ao seu avô postado em uma pedra à frente. Observamos a brincadeira por alguns instantes.

-Vamos seguir até a pontinha ? - falou a sua mãe.

-Pontinha mamãe, que legal, vamos sim – respondeu Manu de olhos arregalados e curiosos, feliz pela aventura a principiar.

-Vamos pelo rio, é mais gostoso – disse-lhe o avô.

Seguimos por algum tempo pelas águas rasas e pedregosas, mas tanto eu quanto a minha mulher, tinha alguns problemas de locomoção. Eu caíra da minha moto estupidamente dias antes: saíra de casa sem tirar o cabo de aço de segurança da roda dianteira por esquecimento, a moto travou, caí no chão batendo uma costela no guidão luxando-a. Ainda estava bem dolorida naquele dia do passeio. Ela com dores no pé direito se cansava pelo andar nas pedras irregulares. Estávamos baleados, mas fomos em frente.

Em dado momento, minha mulher parou e se sentou em uma grande rocha plana e seca aflorada no riozinho:

-Vou parar um pouco aqui, meu pé esta doendo. Se você quiser pode ir com eles.

Eles seguiam , ora pelo barranco do rio, ora por ele, em um perfeito exercício de equilíbrio. Manu cantarolava alegre de mãos dadas com o avô.

-Vocês não vêm? – perguntou-nos o avô com a sua voz abafada pelo som da corredeira rio abaixo.

-Vamos parar um pouco, ela está com dor no pé e eu na costela da queda da moto. Podem ir, esperaremos aqui – gritei-lhe de volta.

Permanecemos ali por cerca de meia hora. Aproveitei o calor escaldante e entrei no riacho. Ele tinha pequenas piscinas naturais entre as pedras, nas quais me deitei e curti a enxurrada forte e fria de suas pequenas quedas d’água, massageando-me o corpo.

Escutamos vozes chegando; voltavam da pontinha. Ao chegar, Manu nos disse peremptoriamente:

-Vocês são uns Nutella! – olhando-nos firme e incisivamente por não acompanhá-la.

Entreolhamo-nos eu e minha mulher pela observação sarcástica dela e não nos contivemos: rimos todos com força e alegria.

A partir deste dia, éramos chamados pelo avô brincalhão e pela Manu de o “Casal Nutella”.

Manu é inesquecível.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 28/01/2022
Reeditado em 28/01/2022
Código do texto: T7439267
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