Amei Um Príncipe E Me Casei Com Um Monstro

-Bom dia, Isabel!

-Bom dia, Silvinha!

Ela me olhou atentamente e eu me senti constrangida

-De novo, Isabel?

-Do que você está falando?

-Você sabe. Esta boca inchada, esta roupa de manga longa, pescoço coberto.

-Eu machuquei minha boca em um copo que se quebrou.

-Sei. E esta roupa com este calor.

-Não estou sentindo calor.

-Qualquer dia deste ele mata você. Você precisa tomar uma atitude, precisa denunciar.

-Ele me ama. Não faz por mal. Apenas perde o controle.

-Você quer enganar a quem, a você mesma, não é?

-Não quero falar sobre isto, Sílvia.

-Eu falo sobre isto porque sou sua amiga de verdade.

-Eu sei.

-Se precisar de mim, sabe que pode me chamar.

Ela saiu e minha vontade era de chorar, mas eu estava em minha mesa de trabalho e me mantive firme.

Eu conheci Lázaro na faculdade. Fazíamos o mesmo curso mas ele sempre foi um pouco malandro e nunca gostou de estudar. Começamos a nos envolver e eu me apaixonei perdidamente e cegamente por ele. Ele tinha muito charme e uma lábia que envolvia. Quando ele me tocava eu perdia a razão e o juízo e pra mim só ele existia e era perfeito.

Ele vivia com idéias mirabolantes e quase sempre se dava mal. Abandonou os estudos quando conseguiu um emprego que dizia que era o seu sonho.

Quando eu me formei, fui indicada por um professor por uma grande empresa e lá eu sempre me dei muito bem e fui fazendo minha carreira.

Ele era um homem maravilhoso. Logo depois que me formei nós nos casamos. Era muito ciumento e algumas vezes, por causa deste ciúme, usava de grosseria e era ríspido comigo. Mas eu dizia pra mim que ele fazia isto por que de alguma forma eu provocava.

Diante da minha família e de meus amigos ele me tratava como uma rainha. Era delicado, gentil e carinhoso.

Mas aos poucos ele foi se transformando e sempre me agredia com palavras quando estávamos sozinhos. Pouco tempo depois de casados, pela primeira vez, ele me agrediu fisicamente. Chegamos de uma festa e ele tinha bebido bastante. Ele veio querendo sexo e eu me recusei. Ele então me tomou à força e me machucou, deixando marcas roxas em meu corpo. Ele dormiu e eu chorava sozinha.

No dia seguinte ele me disse que não se lembrava de nada, que foi culpa da bebida e isto jamais iria se repetir. Disse que me amava e eu cedi e perdoei.

Pouco tempo depois ele perdeu o emprego e passou a viver às minhas custas. Dizia que como não tinha qualificação, ele ficaria tomando conta da casa enquanto eu trabalhava. E eu aceitava e sempre tinha alguma desculpa pra minha família e para amigos.

Várias vezes depois daquele dia ele me agrediu e violentou. Até que eu decidi me separar. Ele então me ameaçou dizendo que se eu me separasse dele, o denunciasse ou contasse pra alguém ele me mataria.

E eu sentia medo e temia por minha vida. Então me calava. Várias vezes ia trabalhar de óculos escuros por causa dos olhos roxos. E eu sempre tinha uma desculpa.

Naquele dia, ele tinha me batido e eu estava toda roxa e com a boca inchada. Mas eu não tinha coragem de denunciá-lo por causa de suas ameaças e porque eu ainda o amava e não queria vê-lo preso.

E a vida foi seguindo. Depois de uma briga ele era sempre muito carinhoso e culpava a bebida pelo que ele fazia. E dizia que me amava, que eu era a mulher da vida dele e eu fraquejava e me entregava. Então ele passava alguns dias fazendo todas as minhas vontades e eu sempre acreditava que ele tinha mudado e cada dia o amava mais.

Tempos depois eu engravidei. Eu sempre quis ser mãe e fiquei muito feliz. Ele também se mostrou feliz e começou a cuidar de mim com todo cuidado. Eu senti que aquele filho ia mudar o curso das coisas.

Um dia, quando eu estava mais ou menos na décima sexta semana de gravidez, eu cheguei em casa e ele não estava. Deixou um bilhete dizendo que ia sair com uns amigos para uma comemoração e que voltava mais tarde. Eu fiquei apreensiva, sabia que ele iria beber. Não ousava ligar pra ele pois ele poderia ficar nervoso.

Já passava de onze horas da noite quando ele chegou completamente bêbado. Eu estava esperando por ele. Sem mais nem menos ele se irritou porque eu estava ali na sala e começou a gritar comigo. Eu me levantei pra ir pro meu quarto pra evitar uma briga. Neste momento ele me deu um soco no olho. E começou a me bater com socos e chutes. Um chute acertou a minha barriga e uma dor terrível me fez cair. Ele continuou me batendo e me pisando até que eu desmaiei.

Quando acordei estava em um hospital, não tinha noção de como tinha ido parar lá. Eu sentia muita dor na minha barriga e lembrei do chute. A enfermeira chamou o médico e ele veio falar comigo:

-Como está se sentindo? Alguma dor?

-Muita dor na minha barriga. Eu estou grávida. Como está meu bebê?

-O que aconteceu com a senhora? Está muito machucada.

Eu fiquei sem saber o que dizer.

-Seu marido disse que a senhora sentiu mal e caiu. Mas uma queda não machuca tanto.

-Sim eu caí.

-Como?

-Eu me senti mal. E o meu bebê? Como está?

-A senhora perdeu o bebê.

Neste momento eu comecei a chorar e ele mandou me medicar.

Mais tarde, Lázaro chegou. Perguntou como eu estava e disse pra eu não dizer nada e me ameaçou. Eu estava sentindo ódio dele. Ele matou o meu filho. Quando ele estava lá a polícia chegou. O médico que estava desconfiado avisou a polícia. Eles disseram pra ele sair. Ele me olhou com um olhar ameaçador e saiu.

O policial me pressionou e eu contei o que aconteceu. Ele saiu de lá preso.

Eu pensei que ele ficaria preso um bom tempo. Estava tranquila. Mas de qualquer modo mandei trocar todas as chaves de minha casa. Ingenuamente, pensei que fosse avisada sobre o processo ou que eles me avisariam quando ele fosse solto. Tinha conseguido uma medida protetiva e pensei que estava segura.

Pouco mais de um mês depois daquele episódio, quando eu já tinha me recuperado e voltado a trabalhar, sem eu saber ele foi solto.

Uma noite, quando chegava do trabalho ele estava me esperando. Ele me obrigou a abrir a porta e entrou comigo. Como todo covarde, que não tem coragem de fazer nada de cara limpa, ele tinha bebido. Ele entrou me puxando pelos cabelos:

-Sua vadia, vagabunda, eu não disse pra você fechar sua boca? E você disse pra polícia que eu te bati e ainda me acusou de lhe fazer perder o bebê. Sabia que estou respondendo processo por sua causa? Você não presta, não vale nada. Merece morrer, ordinária.

Ele puxava meus cabelos enquanto falava, eu sentia uma dor horrível. Não respondi nada, orava a Deus pra me livrar daquele monstro. Eu tremia e temia pela minha vida.

-Você não diz nada, puta? Fale alguma coisa, sua traíra vagabunda.

-Por favor me solta. Está doendo.

-Ah! Está doendo? Você ainda não viu nada.

Ele soltou meus cabelos e me deu uma bofetada e eu caí.

-Você vai apanhar até morrer, piranha.

Ele começou a me dar chutes, pisava em minha cabeça em meu pescoço, em minhas costas, dava socos. Enfim eu desmaiei.

Eu não sei se ele pensou que eu havia morrido ou se estava tão bêbado que não conseguiu terminar o que intentava. Ou se esperava eu acordar pra me torturar mais. Mas preferi pensar que Deus ouviu minhas preces.

Quando acordei ele estava dormindo no sofá, apagado pelo álcool.

Eu me arrastei até minha bolsa, peguei meu celular. Chamei a polícia e a minha amiga Silvinha. Consegui chegar até a porta e abri. Eu sentia muita dor e desmaiei novamente.

Quando acordei estavam dentro de minha casa a polícia, socorristas e Silvinha. Ela chorava e me abraçava. Lázaro estava algemado em ainda proferia ameaças contra mim.

Ele foi levado pela polícia e eu fui para o hospital. Estava toda machucada. O resultado foi três costelas, um braço, uma perna e vários dedos fraturados. Meu rosto estava desfigurado de tão inchado. Tinha vários cortes pelo corpo.

Demorei um bom tempo pra me recuperar. Mas agradecia a Deus por estar viva.

Eu estava disposta a acabar com a vida dele. Contratei um advogado para acompanhar o processo de perto e tentar não deixá-lo ser solto.

Depois de me recuperar eu fui visitá-lo na cadeia. Estava ainda um pouco fraca, mas estava fortalecida espiritual e psicologicamente. Queira olhar na cara dele falar tudo que estava atravessado na minha garganta.

Quando ele me olhou eu senti o ódio em seus olhos.

-O que está fazendo aqui, ordinária? Veio tripudiar?

-Não, eu vim mostrar que você não conseguiu acabar comigo. Você não sabe da força que tenho. E não vai ser um covarde como você que vai me vencer. Você não passa de um covarde que bate em uma mulher que não pode medir forças com você.

-Cala a boca, vagabunda.

-Você vai ter que carregar por toda a sua vida a culpa de ter matado o próprio filho. E é por mim e por ele que vou fazer de tudo pra você apodrecer na cadeia. Você pensou que me mataria, mas não, você só me fortaleceu. Todo o amor que eu sentia por você se transformou em ódio. E é este ódio que me sustenta agora. O que você fez comigo eu até poderia perdoar um dia. Mas você ter matado o meu filho eu não vou perdoar nunca. Mas talvez tenha sido melhor pra ele pois ninguém merece carregar o seu sangue ruim.

-Cala a boca, rameira. Ele não merecia é ter uma mãe como você. Se eu fizer um sinal, você cai em meus braços porque é uma vagabunda ordinária que não pode me ver que já quer abrir as pernas.

Eu levantei a mão pra dar uma bofetada nele e ele segurou meu braço com tanta força que eu gemi de dor.

-Você não sabe o que eu tenho passado aqui dentro. Já apanhei, já fui estuprado e tudo por sua culpa. Quem odeia aqui sou eu. Muito breve eu vou terminar o que não consegui fazer naquele dia. Vou mandar você pro inferno.

-Você vai muito antes de mim. Talvez agora você saiba o que eu passei. Eu fico feliz por isto. Desejo que você sofra muito mais. Desejo que todos os dias você sinta a dor que eu senti todas as vezes que você me violentou e me bateu.

Neste momento ele me pegou pelo pescoço tentando me enforcar. O agente penitenciário veio em meu socorro e chamou reforço. Eles o levaram e ele saiu gritando que me ia me matar. Ele mesmo complicou ainda mais a sua situação.

Fiquei sabendo que a vida dele lá dentro era um inferno.

Dois meses depois ele se enforcou com um lençol.

Quando eu fiquei sabendo, não acreditei na minha reação. Eu senti uma sensação de alívio. Não senti nenhuma culpa ou tristeza. Ele conseguiu matar em mim toda a capacidade de amor e compaixão. Eu não comemorei, mas senti que estava livre daquele monstro pra sempre. Eu nunca o perdoei pelo filho que perdi. O resto eu esqueci, mas aquele crime que ele cometeu contra um inocente eu nunca vou esquecer.

Hoje eu vejo claramente todos os sinais que ele deu desde o princípio e eu cega de paixão não enxerguei.

Comecei a fazer um tratamento psicológico e psiquiátrico pra me livrar daqueles traumas que ele me causou.

Não fui ainda capaz de amar ou confiar em outro homem mas sei que vai chegar o dia em que eu vou encontrar um homem que me mereça e que saiba merecer uma mulher.

Sempre dou meu testemunho e falo pra mulheres que não se deixem cegar pela paixão, que enxerguem os sinais que estes monstros covardes sempre mostram desde o início. Mas sei que quando a paixão cega é difícil enxergar qualquer coisa. E este tipo de gente sabe muito bem como envolver uma mulher.

Nenhuma mulher pode ou merece ser maltratada ou torturada por um homem. Seja esta tortura psicológica ou física.

Eu errei ao aceitar sustentá-lo, ao não deixá-lo na primeira vez que ele encostou suas mãos imundas em mim com violência.

Mas eu aprendi a lição, eu estou me tratando e aprendendo a me valorizar e a não cair mais nas mãos de nenhum canalha.

E que todas as mulheres tenham esta capacidade de se livrar destes homens que se acham valentes mas não passam de covardes e recalcados.

(Esta obra é uma ficção, mas diariamente muitas mulheres passam por esta situação humilhante e degradante e não denunciam por medo, amor doentio ou falta de opção. Que todas as mulheres aprendam a se valorizar e denunciar estes homens covardes e monstruosos.)

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 23/02/2022
Reeditado em 23/02/2022
Código do texto: T7459045
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