O Quarto

Entrei no quarto bebezinho, mas não me recordo, assim me disseram meus pais, que lá me levaram.

Sempre me relataram detalhes desse episódio.

Quando criança, corria livre por ele, me parecia vazio e muito amplo.

Com o tempo percebi que nele haviam coisas minhas muito antigas e coisas novas ganhadas ou conquistadas.

Atirei algumas coisas pela janela na adolescência que posteriormente quis recuperar.

Reorganizei os móveis e percebi novos espaços na juventude, comprei violão e instrumentos musicais, uma escrivaninha para meus estudos e aumentei minha cama para não ficar sozinho apenas.

Já maduro, eliminei alguns móveis de infância que ainda ocupavam um canto e não me serviam mais, porém conservei um carrinho de madeira que me recordava doces passagens.

Um dia reparei que após uma porta havia outro quarto contíguo que sequer eu havia dado conta, não havia impedimento, mas eu nunca tinha pensado em transcender aquela porta.

Esposa, filhos, netos, compartilharam comigo desse pequeno espaço e sempre deixaram uma decoração especial, às vezes diminuta, fácil de guardar, mas que dou mais valor do que a própria cama.

Quantas coisas acumulei nesse quarto! Algumas trazia de lugares distantes e sinceramente não faziam mais que ocupar espaço. Outras, como um risco de caneta do neto na parede, representavam um momento grato.

O espaço que era amplo foi se fazendo estreio, muitas bugigangas que às vezes até dificultavam o andar.

Fui envelhecendo e cada vez gostando mais desse espaço até que um dia tocou o telefone e me informaram que havia acabado a hospedagem.

— "Mas como? Esse quarto não é meu? Tudo que tenho está nele!"

— “O senhor deve sair sem bagagem, com a roupa mais leve, pois a condução já está de partida”.

Quão surpreso fiquei! Pois havia até então compreendido que no quarto estava toda minha vida.

24/02/2022