Perene adeus

Faz trinta anos que você passou por aquela porta, sem se virar para trás, e me disse adeus. Meus olhos desconsolados a acompanharam até onde a vista alcançou, mas meu coração foi mais longe, e não a abandonou por um dia sequer a partir de então.

Eu deveria tê-la impedido. Foi inglória a luta que meus músculos, congelados sobre a poltrona do vestíbulo de nossa casa, travaram com o orgulho. Impassível, ouvi você dizer que amava outro. Que com ele pretendia viver o resto de seus dias. Naquele momento, era como se cada palavra sua, cada letra saída de seus formosos lábios fundisse metais ferrosos num molde de punhal, que, afiado, penetrava lentamente minha carne, matando-me pouco a pouco.

Você recolheu suas roupas do armário, ajeitou um ou outro pertence na apertada mochila de náilon e se despediu do cachorro com um breve afago. Anestesiado, com os sentidos embaralhados, tive a passageira impressão de que uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Eu poderia tê-la impedido, não poderia? Em vez disso, optei pela dúvida, a angustiante espera por seu eterno retorno. Você atravessou a porta e, de modo quase inaudível, proferiu seu adeus.

Não foram poucas as vezes em que o barulho provocado pela brisa batendo na portinhola da varanda anunciou seu ilusório regresso. Em tais ocasiões, eu permanecia imóvel, sobre a mesma poltrona da sala, como naquele primeiro dia. Desde que você se foi, o cachorro não mais latiu. Ficava amuado, pelos cantos do nosso pequeno quintal. E assim passou até o último suspiro, meses depois.

Durante todo o tempo, a solidão me ensinou que saudade é palavra a ser escrita com as cores das boas lembranças. Mas não esta que ainda tenho de você. Este sentimento, ao contrário, foi forjado nas noites de angústia, de desaconchego. Uma estranha saudade, que encontrou na mágoa aliada de primeira hora e, aos poucos, desalojou do meu coração o bem-querer.

Hoje, quando colho nas mãos sua foto no porta-retratos deixado sobre a estante empoeirada, bem ao lado dos remédios para mitigar as dores dos males que acometem os sexagenários, percebo ter essa insólita sensação agido como implacável caçadora. Ela lançou sobre você tentáculos invisíveis, perscrutando seu ser, onde quer que você estivesse. E, na verdade, devo admitir, você nunca deixou de estar no centro das minhas atenções.

Lá se vão trinta anos desde sua partida. Só hoje, quando devasso seu sorriso angelical na foto do porta-retratos, dou-me conta de que faz trinta anos que eu, em pleno êxtase dos amantes, para quem tudo será imorredouro, disse a alguém pela última vez “eu te amo”.