Suas Estrelas da Sorte - PerfeBleu

Quando voltei para Belo Horizonte, muitas coisas do passado voltaram a ser recorrentes novamente. Sejam lembranças que estiveram suprimidas dentro do meu emocional, até pequenas impressões que só temos no vislumbre cotidiano da existência.

Lembro que era muito fácil andar por aquelas ruas banhadas de solidão e saudosismo, principalmente nos dias em que o céu estaria nublado como um lençol de ferro, ameaçando chover e me soprando frios os cabelos.

Eu me esgueirava por cada esquina, mãos nos bolsos e com a cabeça baixa. Costumava pensar sobre a vida, a existência e sobre meus próprios dilemas. Pode ser que Nicole tenha se tornado um tema um tanto áspero, como costumava ser. De volta para aquela cidade, onde nada mudou, e onde eu provavelmente queria estar longe novamente. Comecei a me questionar se havia tomado os contornos certos na minha vida, nada seguia conforme eu planejava.

Foi então que comecei a cogitar sobre não mais ver ela. Eu poderia dizer que não estava naquela cidade, dizer que adiei meus planos. Tudo para não ver a garota que para mim representava tantas coisas a respeito do passado - e igualmente sobre o futuro. Num dia, fui sincero com ela, a confrontei se realmente tinha algum interesse em nossa amizade. Como sempre, ela reagiu com sua sutileza criminalmente vulgar: marcou um passeio. Onde? Para mim não interessava. Havia mudado de ideia, o meu lado estranho queria a ver, olho a olho, frente a frente. Queria entender se haveria futuro para algo que eu por tantas vezes desacreditava.

Eu a vi. Estava inclinada numa parede distraída com o telefone. A imagem dela ali bem na minha frente, começou a me provocar estranhas vertigens. Era como estar em um déjà vu consciente e que se repetia por milhares de instantes, como quando olhamos um quadro da renascença e temos a impressão que um dia já estivemos naquela cena. Então era quase uma pintura, eternizada por feixes de memória e pulsões de adrenalina que aos poucos me invadiam.

Eu lhe abordei, e era como se estivesse falando com um amigo corriqueiro. Ela me olhou de alto a baixo. Sorriu. E tornou a me cumprimentar. Dissemos poucas palavras, porque a sinestesia comunicava tudo o que não conseguíamos, ou simplesmente porque era um daqueles momentos quando palavras não convêm.

Ficamos um bom tempo na negritude de uma sala escura, onde uma luz projetava imagens em uma superfície branca. Quando saímos, já estávamos de partida e ainda não havíamos trocado mais palavras, fora para elogiar o filme. Ela então propôs uma segunda ida para um filme de terror, convite que ambos concordamos que não passava de má ideia.

Nicole era esguia e ossuda, as vezes mal parecia que estava lá. Tinha um preto forte nos cabelos e sobrancelhas, além de sardas espalhadas pelo rosto. Quando falava, seus cabelos dançavam acompanhando os movimentos do rosto. Era inteligente e esperta, possuía capacidades mentais acima da média. O tempo lhe presentou com dádivas únicas, desde a sua maturidade até a sua estranha forma de ver as coisas.

Eu andava por trás, como quem a seguia. Passeávamos por corredores enfileirados de lojas, com pessoas espalhadas nos percursos indo em todas as direções. Centenas de cabeças miúdas namoravam coisas que não podiam comprar. Essa imagem se repetiu em minha mente até que estávamos na saída, eu sinalizei o metrô enquanto ela ia para o ônibus. Ainda não havíamos trocado muitas palavras. Não houve abraços, nem beijos, e nem tapinhas nas costas. Só uma guinchada de punhos, fria e rápida demais pra sequer dizer que houve.

Era isso? Eu pensei. A única coisa que havia entre nós dois como sempre era aquela distância estranha e sem graça. Nenhum cogitava ultrapassar os limites da reverência. Ela me olhou pela última vez, deu dois passos com um sorriso e sumiu entre as fileiras de pessoas que preenchiam minha visão.

Eu me pus a ir, isento de pensamentos. Como se não houvesse visto uma das pessoas mais importantes da minha vida. Que eu não via fazia mais de anos.

De repente, me vi a seguindo novamente, íamos em direção ao metrô. Minha mente começou a se diluir, enquanto minha visão se desfragmentava com a realidade. Ela parecia alegre com alguma coisa, a questionei se não a atrapalharia me acompanhar até o metrô. Ela negou.

Eu atravessei a catraca, ali restaria apenas outro tocar de punhos e seguiríamos conforme minha imaginação anterior. Ela iria embora, sendo seguida por meu olhar hesitante, até sumir por um corredor escuro. Eu disse um último adeus, recusando sequer olhar em seu rosto. Me pus a ir de costas quando surpreendentemente ouvi a catraca sendo girada. Era ela, decidiu me acompanhar até a linha final, mesmo que isso lhe custasse um bom tempo esperando o ônibus.

A imagem dela bem ali na minha frente, começou a me provocar estranhas vertigens. Era como estar em um carrossel, girando através de um espelho. Até que parassem os cavalos, e descessem os cavalheiros. Sorridente, ela parecia apta a desenvolver quatro a seis parágrafos de conversa, provavelmente estimulada pela iminência da saída do meu próximo trem.