Sinal vermelho acionado...

 

E lá vinha ele com aquele bracinho fininho, empilhado de panos de prato. No ombro esquerdo, os coloridos panos de chão.

 

A tristeza no olhar e a delicadeza na fala eramosya companhia:

 

- Bom dia! Como você está? Quer dar uma olhadinha no pano de prato?

 

- Não. Obrigada. Estou com um pouco de pressa.

 

Apressada mesmo, estava ela em ver aquele menino crescer e sair das ruas. Será que um dia o veria na escola, na quadra jogando bola?

 

O semáforo que ficava na esquina de sua casa, era ponto de encontro diário entre ela e o menino. Uma troca de olhares profundos num riso torto, invertido. Parecia que pedia socorro.

 

O que aquele triste olhar dizia, mal sabia ela. Mas o menino a inquietava. Até que um dia, acostumou-se com aquela rotina e não mais separava o menino da rua que o sustentava de diversas formas.

 

Os sessenta segundos voavam enquanto olhava para o menino que se deslocava rapidamente entre os carros. Um labirinto que causava nela certo pânico: sairia ele dali um dia? Nunca o viu comercializando um pano sequer. Mas no dia seguinte, ele estava lá: limpinho e arrumadinho, com o mesmo semblante, como se a dor fosse dele namorada, e refletisse sua íris.

 

Numa segunda-feira qualquer Maura passou pela padaria antes de ir ao centro. Lembrando da imagem do menino, resolveu dar-lhe um mimo comestível. Comprou um sonho. Quando estava triste, sempre os adquiria, lhe dava certo prazer, depois vinha a culpa.

 

Sinal vermelho...

 

- Qual o seu nome, menino.

 

_ Estevão. Estevão Luís da Silva.

 

- Você gosta de sonhos? Trouxe um para você!

 

O menino recebeu o sonho e se sentou no paralelepípedo da calçada abrindo vorazmente o pacote.

 

Naquele dia, os sessenta segundos não lhe foram suficientes. Queria ficar ali, vendo aquele menino crescer feliz, como se de algum modo, ele fosse reflexo do mundo dela. Estevão, no entanto, tirou o sonho do pacote e ia descascando o pãozinho e comendo apenas a casca.

 

Maura ficou imaginando que talvez fosse diabético. Que não gostava de doces. Que pudesse guardar o recheio para a parte da tarde. Por isso, passou a comprar diariamente o mimo e a ofertar-lhe.

 

Certa feita, o local defronte ao semáforo foi interditado, parcialmente, para efetuarem pintura vertical. Deste modo, o trânsito ficou mais lento, tendo em vista a implantação de "Pare e Siga", conforme as mãos de direção comandadas por um guarda de trânsito.

 

Naquele dia, Estevão logo que viu o carro de Marta, foi ao seu encontro. Como o tempo ficou mais longo, era possível perceber com calma a prática constante do menino, ao qual questionou:

 

- Estevão, por que descasca os sonhos? Fiquei curiosa. Não aprecia doces?

 

O menino cabisbaixo, sem olhá-la nos olhos, repondeu:

 

- É que tenho irmãos pequenos. Como eles adoram sonhos, eu os descasco, como a capa e levo o interior para que possam dividir e se divertir. As vezes sobra um pedaço pra mim, outras não. Mas tudo bem.

 

Aquela fala, soou para Marta como uma facada. Como pode? Um menino descascar seus próprios sonhos para dividir a delícia do doce com aqueles que ama? Logo ele. Que estava distante, com fome? Logo ele que contava os segundos no semáforo? Ele que vivia no labirinto desenhado por uma sociedade onde vigora a disparidade social.

 

No dia seguinte, Marta comprou vários sonhos e disse a ele que os comesse sozinho. Levou também alguns para que pudesse abastecer a casa com a incumbência de dividir com seus irmãos.

 

O que Estevão ignorava era que Marta, entendia perfeitamente o que era descascar um sonho e saciar os outros com suas doçuras. Pois acostumada estava em viver isso. Daquele dia em diante, Marta passou a alimentar os próprios sonhos, sem nenhum remorso.

 

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 14/04/2022
Reeditado em 15/04/2022
Código do texto: T7494867
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