Sossego Aparente Conforto Ausente

Venha viver um pouco,

Meu cantar meio louco,

Neste esquema eletrônico,

Com botões: liga, desliga,

Do desemprego, inimigos...

É só querer, e só discar,

Apor a ficha e aguardar,

Rola e ecoa-se o falante,

Num vozeiro galante,

Dando de troco o quisto:

Ou café, ou doce, ou misto...

Levantar-se, vestir-se da gravata,

Aos ecoares das pás, bate estacas,

Voar para o transporte, formigueiro,

Executar o exercício do passageiro,

Que se repete, assim no dia a dia,

Mas nunca se espanta de ter alegria...

Apertar-se, parece assim, o calor humano,

Civilizado, cultural, mesmo parecendo insano.

Expor os ouvidos às buzinas,

A inalar os ares de combustíveis.

Quebrar-se nas esquinas,

Inalar os bafos de bebidas,

Se livrar, no trânsito, as batidas,

Enfrentar o batente, já cansado,

Em instantes, virar-se para o lado,

Onde, também, o relógio labuta,

Ansioso que se encurte, logo, a luta...

No almoço, correr para o restaurante,

Antes que se lote, no seu constante,

Ou que se acabe a comida precisa,

Pois é a arma que personaliza,

Paro o rojão que se repete à tarde,

Quando, aí, mais encarde,

Meu organismo, combatido,

Empoeirado, no cansaço, enegrecido...

Findo expediente, enfrentar a fila,

Para ter o registro no cartão,

Com as mãos acalmar o coração,

Se renovando em outra alegria,

Para reinventar na outra correria,

Depois de retorno ao berço,

Tombar o manhoso beiço,

Ter bom sono para novo amanhã,

Como um amante, e soberbo fã...

Venha viver um pouco,

Este cantar meio louco,

Que se faz automático,

No caos, quase mágico,

Sem sombras dos campos,

Sem horrores, pirilampos,

A um galope eletrizante,

Por um reinado distante...

Venha viver um pouco...

Mas antes, cubra o couro,

Com armadura de aço,

Para ocupar-se no espaço,

E isolar, comum, a gripe,

Querendo, ensaio o bip... bip...

Sem coragem, então, fique...

Mando-lhe um aviso,

Ainda quero ser amigo,

Que parece, sumir também,

Qual a paciência do além,

Sem bosques, sem cascatas,

Sem as sombras das matas...

Venha viver um pouco,

Meu cantar meio louco...

Se o aviso não for conteúdo,

Poderei me fazer de escudo,

Antes de, eu, ficar só e mudo,

Para aliar-se com sua ilusão,

E lhe trazer, à tona, a razão:

Qual de nós é o mais forte,

Ou, apenas, vive-se da sorte,

Ante o inevitável que é a morte?!...

José Corrêa Martins Filho
Enviado por José Corrêa Martins Filho em 02/05/2022
Reeditado em 18/03/2023
Código do texto: T7508019
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