FELIZ DIA DAS MÃES. BORBOLETAS NO JARDIM.

William, Wilson e Suellen chegaram a casa número 775, da rua das Tulipas. O portão de ferro. -"A mãe não deixava esse portão trancado pois sempre dizia que alguém poderia chegar pedindo ajuda." Disse Wilson. -"A mãe ajudava a todos, nem perguntava o motivo. Pedia, ela ajudava da melhor forma." Lembrou Suellen, emocionada. Os tijolos do muro baixo, o manacá na calçada. -"Era a casa cheirosa, diziam os vizinhos, por causa do pé de manacá." Lembrou William. Os vasos na janela, a roseira. -"A mãe amava plantas. Nunca vi alguém igual. A casa parecia uma floresta." Suellen completou. -"Tem mais, minha irmã. Ela conversava com as plantas, colocava nomes nelas. Dava mudas de flores pra vizinhança. Cuidava tão bem de todas que eu tinha até ciúmes dessas plantas. Ela dizia que, se a gente cuidar de nosso jardim as borboletas virão. Esse jardim era interior, hoje entendo o que ela queria dizer." Wilson sorriu. William, o mais velho dos três irmãos, abriu a porta. O sofá verde musgo, a estante com as fotos, a tevê de plasma. -"Eu me lembro quando cheguei com essa tevê. Era época de copa do mundo, 2002 o ano do penta. A mãe beijou a tevê e disse que o Brasil ia ser campeão com o Felipão." William acariciou o aparelho. -"Quantas dificuldades a mãe da gente enfrentou para nos criar, deram o melhor por nós. Essa tevê, a máquina de lavar, a geladeira frost free, o sofá confortável, o microondas, são luxos que pra nós são comuns mas nossas mães e avós não tiveram isso quando jovens. Era sofrido. Era caro. As camas eram rústicas, com colchão de palha de milho. Fogão a lenha, banheiro no quintal com um buraco no chão, o piso era vermelhão de cimento queimado, cortinas de pano nas portas, usavam lamparinas a noite, tanques pra lavar roupas." Suellen abraçou William. Wilson abriu o quarto. Suellen deixou cair uma lágrima, antes de entrar e acender a luz. A cama bem arrumada. O guarda roupas. A Bíblia aberta, com o terço encima, sobre o criado mudo. -"Sinto a presença dela aqui." Disse Suellen. Os três irmãos sentaram na cama. Um silêncio. Olharam os quadros de fotos antigas na parede. Fotos do casal ainda jovem. -" Nosso pai morreu jovem. Esse bigode era estranho mas a mãe gostava." William conviveu com o pai até os treze anos. Wilson tinha três anos e Suellen seis meses quando Armando se foi devido a um acidente de trânsito. -"A mãe foi mãe e pai. Sem estudos, passou a fazer faxina. Vendeu a mesa, um rádio e vinte galinhas pra comprar uma máquina de costura Singer. A vizinha, dona Zulmira, ensinou a mãe a costurar. Assim ela nos criou, na raça. Não tinha vergonha, ela ia de casa em casa perguntando se tinha roupas pra consertar." Suellen abriu o guarda roupas. -"Ela dizia que era pra gente doar todas as coisas dela, as roupas, os móveis, tudo." Wilson se aproximou. -"Mãe é doação. Até quando ela não está presente, continua nos ajudando. Com a partilha da casa vou poder dar entrada no meu apartamento e sair do aluguel. Eu achava isso mas hoje tenho certeza que, quando a gente está na barriga da mãe ainda, se formando e preso ao cordão umbilical, recebendo os nutrientes dela, o nosso espírito ainda está lá no céu, a gente ainda não está inteiramente aqui pois ainda não teve o parto. Então, nesse momento, Deus fala pra gente, ainda feto, embrião, sei lá. Diz pra gente não ter medo de nascer, encarar o mundo pois Ele já mandou um anjo pra nos proteger e nos orientar, esse anjo é a nossa mãe!" Eles passaram pela sala, em direção a cozinha. A imagem de Nossa Senhora Aparecida no aparador. -"A nossa primeira excursão a Aparecida do Norte. Aquela foto da gente pequeno, William. A mãe querendo assistir a primeira missa das seis da manhã, a gente com sono. A feira e aqueles brinquedos todos. Ela comprou uma vela do tamanho do Wilson, com hepatite na época, pra queimar na sala das promessas. O Wilson se curou graças a Nossa Senhora e a fé da mãe. Ela parecia uma criança, com aquele enorme sorvete de massa, que vendem ao lado da basílica. A gente esquece que mães são também humanas, já foram crianças, têm defeitos e medos, mas são acima de tudo, nossa melhor amiga. A Bíblia diz pra honrar pai e mãe. Jesus veio ao mundo e experimentou o amor de mãe." Lembrou Suellen. -"Eu estava emburrado, teimoso pra não vestir agasalho, a mãe insistindo que na rodovia fazia frio de madrugada, que de manhã na beira do rio Paraíba era frio, etc. Não é que a mãe tinha razão, fez um frio de rachar os lábios na pista, a mãe me olhando com aquele sorriso. Mãe tem experiência e tem sexto sentido. Se ela falava pra levar guarda chuvas, podia estar o maior sol mas chovia a a tarde." Lembrou Wilson. O velho aparelho de telefone, a mesa de vidro com a toalha de renda. -"Essa toalha de renda é lembrança da nossa viagem a Fortaleza. Era o sonho dela conhecer o mar, onde esteve uma única vez. Única vez que viajou de avião. Falava que aquele bicho ia cair pois não podia bater as asas igual os passarinhos. Se aquietou após o avião levantar vôo. Estava se sentindo atriz de novela das oito assim que serviram o jantar no avião. Sou grata ao proporcionar isso a ela. Tudo que a gente fizer às nossas mães será pouco se comparado ao que ela nos fez." William concordou. -"Verdade, Suellen. Esse momento foi seu e dela. Esses momentos ficam no coração, pra sempre. Isso não tem preço. Não deixar pra depois pra valorizar as pequenas coisas, a presença dela, as histórias que elas repetem mil vezes e temos que ouvir como se fosse a primeira vez, a comida saborosa , os caprichos, as broncas e puxões de orelhas, as preocupações e o Wilson sabe disso pois ela não dormia até você chegar dos bailes. A gente não sabe o dia de amanhã. Pode ser tarde demais. Depois que elas se vão, não morrem mas voltam pra Deus, não adianta lamentar. Quando crianças, a mãe é tudo. Nosso porto seguro, nosso rochedo, nosso escudo. Nossa fonte de alimentação. Nosso colo. Nosso socorro. Na adolescência, vamos interagindo na escola e nas ruas, querendo comparar e ter o melhor. A mãe passa a ser chata, ultrapassada, manipuladora, , retrógrada, analfabeta, a gente já não pega mais na mão, os abraços acabam, a gente prefere o fast food ao bom arroz e feijão dela. A gente arruma namorada e se casa. As visitas se resumem aos finais de semana e olhe lá. Um telefonema resolve. Quantas vezes só vim até aqui quando tava duro, precisando de uns trocados?" Suellen interrompeu William. Apontou os armários, o fogão de quatro bocas, a geladeira, a mesa. -" Tudo aqui lembra ela pois cada detalhe era cuidado com carinho de mãe. Tenho certeza que ela está nos escutando, em outro plano, junto de Deus." Eles foram ao quintal. A edícula, os varais, a área de serviço, o pé de jabuticaba. -"Os brinquedos do Lucas ainda estão espalhados. Incrível como a mãe se transformou com a chegada dos netos, virar avó a mudou. e Deixava eles fazerem de tudo e os entupia de doces." Disse William, pai de Lucas e Sofia, de onze e três anos. -"Avós são mães com açúcar, dizem." Eles fecharam a casa e saíram. Em pouco tempo estavam no cemitério da Ressurreição. A foto da mãe, numa moldura de bronze, na lápide. -" Mãe, a senhora faz muita mas muita falta. Queremos dizer obrigado, por tudo. Feliz dia das mães." Disse William, o mais velho dos irmãos. Suellen colocou os vasos de flores sobre a pedra fria de mármore. Um rapaz se aproximou. Ele colocou um vaso de flores no túmulo e acariciou a foto da mãe dos três jovens. William olhou para os irmãos, sem nada entender pois aquele rapaz era um desconhecido. -"Quantas vezes passei na casa dessa senhora, vendendo redes, com fome. Ela me dava um prato de comida, um copo de refrigerante. Contava histórias e me falava de Deus. Era um anjo e eu a chamava de mãe. No jardim da frente da casa dela sempre tinha borboletas pois ela era especial." Os três irmãos sem reação, olhando o rapaz ir embora. -"Mãe tem tanto amor que extravasa. " Concluiu Suellen, ainda mais orgulhosa de sua mãe. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 09/05/2022
Reeditado em 09/05/2022
Código do texto: T7512384
Classificação de conteúdo: seguro