Perigosos Devaneios

“…Como as pedras imóveis na praia

Eu fico ao teu lado sem saber

Dos amores que a vida me trouxe

E eu não pude viver…”

(Trecho da música “Medo da Chuva” de Raul Seixas e Paulo Coelho)

Será que amor e casamento realmente combinam?

O amor é livre e o ser humano nasceu pra ser livre e feliz.

O casamento muitas vezes aprisiona o amor e as pessoas.

Sentimento de posse, ciúme, rotina, brigas, exigências e muitas outras coisas vão minando o relacionamento

E chega um momento em que as pessoas acabam sentindo falta dos amores que a vida trouxe e que não puderam viver.

Por certo existem algumas raras almas gêmeas, talvez algumas pessoas vivem uma história de vidas passadas com a outra, se é que vida passada existe, então vivem um relacionamento ou casamento perfeito ou muito satisfatório.

Ela estava prestes a completar trinta e nove anos de casamento.

Um casamento perfeito. Muito amor e uma convivência harmoniosa e feliz.

Ambos eram advogados de formação e seguiram carreiras no judiciário.

Estavam aposentados e estavam sempre juntos.

Sua vida amorosa sempre foi satisfatória e ele foi o único homem de sua vida.

Sempre transaram com intensidade e muito amor.

Ela se considerava uma mulher feliz e realizada.

Nunca lhe faltou oportunidade de trair o marido. Como mulher bela e elegante que era, sempre tinha algum homem lhe cobiçando. Mas ela nunca deu chance a nenhum deles.

Seu marido era apaixonado e fiel, apesar de todas as oportunidades que sempre surgiam.

Era um casal tranquilo, exemplo de harmonia e felicidade.

Ela já tinha passado dos sessenta anos e lamentava a juventude que a cada dia se esvaía.

Olhava suas fotos e ficava chateada por não ter mais o rosto tão belo e o corpo tão perfeito, apesar de ainda ser muito bonita. Seu marido lhe admirava e dizia que seria sempre linda e que sempre a amaria.

Ele com mais de setenta anos já não tinha o mesmo vigor e performance de antigamente e ela ainda estava cheia de vida e vontade.

Mas eles se entendiam e se satisfaziam.

Volta e meia passava pela cabeça dela amores que a vida lhe trouxe e ela não soube e nem pode viver. Muitas vezes as fantasias enchiam sua mente e coração.

Sempre juntos, eles seguiam a vida. Liam, ouviam música, caminhavam pela praça de mãos dadas, iam às compras, conversavam e riam, se amavam, se beijavam, se abraçavam e se acariciavam

Apesar da vida de amor e companheirismo que levavam, muitas vezes ela sentia uma certa insatisfação pela vida que não conheceu, pelos amores que podia ter vivido e que não sabia se seriam melhores.

E muitas vezes se pegava sonhando com um amor desconhecido e sentia o prazer que poderia viver com ele.

Sua insatisfação só crescia. O tempo estava passando e ela já não era jovem e as possibilidades de conhecer um outro amor se limitavam. Ela estava envelhecendo ao lado do homem que sempre amou e não entendia sua insatisfação e as suas fantasias. Muitas vezes se sentia culpada por isso, mas sabia que jamais se tornariam realidade.

Até que um dia ela reencontrou um velho colega de trabalho nas redes sociais.

Começaram a conversar e trocar muitas mensagens.

Ele falava da paixão e desejo que sempre sentiu por ela. Ela dizia que também sempre o achou muito atraente.

Os papos foram ficando cada vez mais quentes e intensos.

E eles marcaram de se encontrar.

Ela inventou uma reunião com as amigas para sair sozinha. Ela estava entusiasmada e cheia de vontade de viver uma aventura.

Toda produzida e linda ela saiu de casa.

Chegou ao lugar marcado para se encontrarem. Ficou de longe observando. Seu entusiasmo e vontade foram se transformando em sentimento de culpa e desalento.

Ela olhava em volta até que o viu. Suas pernas tremeram, sua garganta secou, seu coração batia acelerado, lágrimas ameaçavam rolar por seu rosto. Estava arrependida e envergonhada pelo que estava prestes a fazer. E antes que ele a visse ela saiu dali rapidamente.

Já longe do local do encontro, ela andava calmamente. Sentou em uma praça e ficou observando o movimento. Casais andavam de mãos dadas como ela e seu amor, outros se beijavam e ela pensou no beijo dele. Outros conversavam e riam espontaneamente e ela pensou em como era prazeroso conversar e rir de tudo e nada com ele. Alguns casais se olhavam com carinho e ela pensou em como era bom olhar para o seu amor e receber o olhar amoroso dele. Ela pensava em tudo que viveram desde que se conheceram há tantos anos. E ela sabia que valeu a pena cada minuto que viveu com ele.

E naquele momento ela percebeu que nenhuma aventura, nenhum outro amor que pudesse viver teria o mesmo valor que o amor que viveu.

Levantou e voltou pra casa.

Quando ela chegou ele se espantou por voltar tão rápido.

Ela fez um carinho em seu rosto, beijou sua boca e disse:

-Nada tem graça sem a sua presença. É ao seu lado que a vida tem sentido e valor…

Ele a beijou e ela o provocou com sensualidade e o levou pra cama e ao se amarem e se entregarem com o mesmo desejo de sempre, ela percebeu que não precisava de mais ninguém.

Naquela noite ela bloqueou o seu amigo e decidiu que se a insatisfação e o desejo de conhecer um outro amor a invadisse, ela lembraria da horrível situação que viveu e saberia que seu lugar é exatamente ali, ao lado do único amor que realmente valia a pena.

Foi para o quarto. Olhou para o seu amor que já dormia. Beijou de leve seu rosto, ajeitou o cobertor sobre ele e feliz deitou ao seu lado e se aconchegou.

Sussurrou baixinho:

-Sim, aqui é o meu lugar e será enquanto vivermos.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 30/06/2022
Reeditado em 30/06/2022
Código do texto: T7549408
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