ANABELL

Segunda feira, onze da manhã, estava deitado na cama, de férias, acabado de acordar. Ansioso, pois havia entrado na era da tv a cabo. Aproximadamente cinqüenta canais a minha disposição, e o mais fantástico: três canais de esportes. Já pensou, acordar a qualquer hora da noite e ter todo tipo esportes, ou filmes! Sempre na sua frente ao toque de um botão. É fantástico!

No dia anterior teve uma chamada no programa esportivo que não dava pra perder: Um dueto. Pelé e Chico Buarque, não jogando uma peladinha, mas sim cantando. Jamais perderia: o “clássico do século”. Acordei já com o com a televisão ligada, programada no horário marcado. No dia anterior fiquei até de madrugada vendo filmes, pois sabia que a nova tecnologia não me deixaria na mão e como foi designada a TV se ligaria em um passe mágica.

Me acomodei com dois travesseiros na cama e fiquei no aguardo do grande momento. O programa até que é bem interessante, sem aquelas gritarias da tv aberta. Então chegou a hora. Os apresentadores fizeram o suspense de sempre e soltaram o vídeo.

Foi aí que entrou minha filha no quarto.

“Pai! Me ajuda a montar o quebra-cabeça”.

“Espera um pouco, fica quietinha”.

“Pai, troca de canal”.

“Espera um pouco filhinha”.

“Põe nos padrinhos mágicos”.

“Espera, espera”.

“Põe Põe Põe Poe põe Põe Põe põe Põe...”.

“Espera”

“Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe...”

Putz! Eu não acredito, não estou ouvindo nada.

“Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe Poe...”

“Espera!”.

“Tira tira tira tira tira tira tira tira...padrinhos mágicos...padrinhos mágico... padrinhos mágico...”

Pronto. Já era, acabou. Não ouvi coisa nenhuma.

“Joga o lixo pra fora” Gritou minha mulher da cozinha.

“Eu ajudo, pai. Eu ajudo”. E saiu correndo na minha frente.

Resolvi levantar, agora eram duas que não queriam o meu precioso descanso. Peguei o lixo e ela já correu na minha frente tentando abrir a porta. Correu até a lixeira e tirou a tampa. Joguei o maldito lixo na lixeira. Ao voltar virou para mim sorrindo: “Pai, olha o trenzinho” E foi com os pés arrastando pelo chão.

Comecei a pensar. Por que ela está tão feliz? Apenas por ir até alí?

Sim, depois de alguns dias eu entendi. O caminho foi curto, apenas dois metros entre a porta do apartamento e a lixeira, mas para ela foi como se tivesse voltando de um passeio na Disneylândia. Sabia, o que importa para ela é o momento, a presença, sem sofisticação, apenas ir alí, e jogar o lixo, na lixeira, a dois metros da porta. Este momento que para alguns parecerá tão sem expressão, tão comum, marcou a minha vida. Aquela felicidade me surpreendeu. Felicidade sem grandes emoções, mas sim em coisas simples. Então, foi aí que eu realmente entendi: Anabell você vai me ensinar “tudo” em minha vida.

FIM

DONI SILVA
Enviado por DONI SILVA em 27/11/2007
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