Insólito

Verônica tinha desistido de encontrar um amor há muito tempo.

Estava com trinta e cinco anos e nunca teve um namorado. Teve algumas paixões, mas sempre pela pessoa errada e quem a queria, ela desprezava.

Ninguém entendia a solidão dela. Uma mulher toda linda. Seu sorriso iluminava e seus enigmáticos olhos, quase violeta, eram hipnotizadores.

Na adolescência ela sonhava com um príncipe encantando e com um casamento que ficasse na história.

Toda vez que se apaixonava sentia que seria aquele o seu amor por toda a vida. Cada vez que se decepcionava ficava muito tempo triste e desiludida.

O tempo foi passando e ela estudou, foi trabalhar, fez sua independência. Era inteligente, culta, intelectual, competente. Mas se ressentia da solidão.

Na idade em que estava e já tendo tanta experiência de vida, não conhecia o amor e os prazeres que ele podia trazer. Mas ela já não se importava com isso. Já estava conformada em ser só. Ela nunca quis ou aceitou relacionamentos passageiros e nem transar só pelo prazer. Na sua opinião um relacionamento precisava de um mínimo de envolvimento e atração. Caso contrário nem perdia seu tempo.

Naquele dia, Verônica estava no aeroporto esperando pelo palestrista que estava chegando para participar do seminário que o laboratório em que trabalhava organizava todos os anos. A organização do evento estava a cargo dela e resolveu ir pessoalmente ao aeroporto buscar o profissional, que era considerado expert na área de antidepressivos, área de especialização dela também.

Estava com uma placa escrito: Ígor.

Ígor chegou com seu sorriso largo:

-Verônica?

-Sim. Você é Ígor?

-Muito prazer em conhecê-la.

Ela, sempre tão segura de si, sentiu seu coração acelerar diante daquele homem. Ficou um pouco sem ação.

Ele era um homem de quarenta e seis anos, alto, forte, charmoso e um tanto debochado.

Verônica, uma romântica incorrigível, sentiu que poderia facilmente se apaixonar por ele, embora não soubesse nada sobre sua vida.

Eles saíram e ela o levou até o hotel.

-Vai me deixar aqui abandonado sem nem um convite para jantar?

Ela nem sabia o que responder. Sentia-se encabulada diante dele.

-Desculpe. Você deve ter seus compromissos, marido, filhos.

-Não. Eu não sou casada. E nem tenho muitos compromissos. Minha vida é até bem sem graça.

-Como pode uma mulher tão linda e inteligente ter uma vida sem graça?

-Nem sempre as coisas são como se imagina.

-E eu não sou uma pessoa indicada pra questionar isso. Também sou um solitário com uma vida sem graça.

Ela só sorriu e nada respondeu.

-Bem, mas já que a anfitriã não me convida para um jantar, eu a convido.

Ela ficou se sentindo uma tola. Antes que dissesse alguma coisa ele disse:

-Você pode escolher o restaurante e marcar o horário.

Mais tarde lá estava ela num jantar agradável com Ígor.

Conversaram muito e descobriram que tinham muito em comum. No final do jantar ela já se sentia apaixonada por ele. Na despedida ele roubou um beijo e ela se entregou inteiramente.

Muito rápido ela, que sempre foi tão ponderada e reservada, se entregou a ele de corpo e alma. Decidiu que era chegada a hora de viver e se entregou a ele sem reservas.

Ele foi embora com a promessa que continuariam se vendo. E eles sempre iam pra casa um do outro e continuaram seu namoro. Ela se sentia feliz e apaixonada.

Um tempo depois Verônica descobriu que estava grávida. Ela pensava em como pôde ser tão descuidada. Logo ela, mulher bem informada, adulta, uma farmacêutica. Ela pensava no que iria fazer com aquela gravidez. Como contaria para o pai do bebê e como ele reagiria. E se ele pensasse que ela fez de propósito? E se pedisse pra ela fazer um aborto? Ela estava completamente apaixonada por ele e esta situação poderia criar um impasse entre eles, embora ela soubesse que não era a única responsável e que os dois foram irresponsáveis e descuidados.

No fim de semana ela foi buscá-lo no aeroporto. Estava apreensiva e nervosa. Ele notou alguma coisa, mas não disse nada.

Mais tarde na casa dela eles conversaram:

-Eu tenho um assunto sério pra falar com você, Ígor.

-Eu sei.

-Como Sabe?

-Desde que cheguei tenho notado você diferente. Vamos direto ao ponto? Assuntos sérios a gente fala de forma direta e resolve logo a questão.

-Eu estou grávida.

Ele ficou impassível. Não falou nada.

Depois de alguns momentos ela disse:

-Você não fala nada?

-O que você quer que eu diga?

Ela se sentiu magoada e decepcionada com aquele homem que se mostrava tão bem resolvido diante de tudo.

-Qualquer coisa. Esboce e demonstre alguma reação ou emoção, mesmo que seja de raiva ou indignação. Qualquer coisa é melhor que esse silêncio frio e cortante.

-Bem, Verônica, você sabe muito bem qual é a minha postura diante da vida. Sabe que não quero compromisso formal e que casamento é uma palavra que não existe em meu dicionário. Eu não vou me eximir da responsabilidade por essa gravidez. Nós dois somos responsáveis por ela ter ocorrido. Você sabe também que quer queira ou não a maior responsabilidade por um filho fica por conta da mulher. É você que vai gerar e carregar em sua barriga, é você que vai trazê-lo ao mundo, alimentar, criar. É com você que ele vai viver. Você já pensou nas responsabilidades e consequências que envolvem a criação de um filho? Tem as alegrias, mas também tem dores, dificuldades, preocupações. Portanto eu deixo por sua conta a decisão de levar esta gravidez adiante ou interrompê-la. Acho que só a mulher pode decidir se quer ter um filho ou não.

-E você? O que pensa de ter um filho?

-Eu nunca pensei em ter um filho. Você me pegou de surpresa. Não tenho como responder esta pergunta agora. Mas eu não vou me furtar da responsabilidade por ele.

-Você acha que eu preciso de ajuda financeira pra criar um filho? O que eu preciso é de ajuda emocional.

-Eu não falei em nenhum momento em ajuda somente financeira. Mas a nossa situação não vai mudar. Eu vou continuar morando longe. A gente vai continuar se encontrando em alguns fins de semana. Como eu disse, a maior responsabilidade vai ser sua.

Ela o abraçou:

-Eu nem penso em interromper esta gravidez, por mais difícil que possa ser criar um filho. O meu medo era que você me abandonasse por causa dele.

-Eu não sou um canalha irresponsável. Eu sou um homem com sentimentos e emoções. E eu gosto muito de você e quero continuar com você. Não sei ainda como vou reagir quando este bebê nascer, mas sei que provavelmente o meu instinto paternal e meus sentimentos vão falar mais alto e eu vá me apaixonar por ele como sou apaixonado por você. Mas da maneira que vivemos hoje. Nada vai mudar por causa de um filho.

E a vida seguiu. Vítor nasceu e Ígor se encantou e se apaixonou pelo filho.

E eles seguiram juntos e a seu modo foram felizes. Cada um em sua cidade, em sua casa, mas se amando e dividindo a criação e educação de Vítor.

Toda forma de amor vale a pena…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 04/08/2022
Reeditado em 04/08/2022
Código do texto: T7575183
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