A CIDADE SÓ

A cidade abandonada... Caem durante o correr da tarde, pingos de chuva lavando todo esse abandono. Os sinais trocam de cores com um certo desânimo e parecem brilhar mais intensamente quando sentem alguém a olhá-los e a reconhecer seu significado e importância.

Um dia que deveria ser de festa, inexplicavelmente assim não o é. Quantas hipóteses haverão de existir para explicar esse particular e “sui generis” acontecer.

Parece ter o ar se completado com alguma substância meio pacificadora (ou será anestesiadora?). Um ou outro pedestre atravessa esporadicamente a rua. Da mesma forma os carros, que em dias chamados úteis, povoam num incessante ir e vir às ruas e avenidas da cidade.

E a chuva cai de forma constante e serena como que aproveitando esse “semi-deserto” para lavar tudo direitinho para que depois, às vistas do sol, tudo tenha mais brilho e vida; para que fique mais bonita a cidade.

Mais uma vez o sinal troca sua cor e ninguém o vê.

Por trás do para-brisa molhado imagens deformadas se oferecem a meus olhos. Imagens, na maioria das vezes, estáticas. Aquele prédio cinza e alto que observa, como eu, o marasmo dessa tarde. Limpo o pára-brisa e por alguns momentos vejo nítidas as formas diante de mim.

Um sentimento de abandono me toca e sinto em mim o que possivelmente esteja a cidade a sentir neste dia (que devia ser de festa para ela).

A saudade de tempos hoje chamados antigos me vêm na mente. Não havia prédios com a estatura daquele cinza ali da esquina. Não havia em cada esquina um sinal a piscar automaticamente todo o dia sem cansar. Havia a chuva... Sim, a chuva como aquela que naquele momento caía por sobre a cidade a lavar-lhe a alma. Havia, ao invés dos sofisticados carros e meios de locomoção, poucos automóveis e alguns preguiçosos bondes a circularem sempre e exatamente sobre o mesmo percurso sem dele se desviar nem um centímetro.

Comecei então a ver que no meu pensamento uma lista de “havias” e “não havias” poderia acontecer de maneira até mesmo incomensurável.

Não sabia mais o que dizer ou o que pensar e num súbito instante vi no canto do pára-brisa um inseto a querer escalar aquele imenso vidro molhado e, portanto, escorregadio. Quanta garra! Era como se fora um idealista... Sim, pois este tipo de pessoa luta, luta, pregando seu ideal, seu saber chamado de sonhador até morrer sem conseguir chegar a um milionésimo de milímetro do total que idealizara.

O inseto... Uma luta de vida e morte. Uma escalada rumo a um objetivo, pelo menos sonhado, digamos assim!

Puxa! Que imensidão traz o vazio da ausência de seres que junto a nós queremos ter.

08.12.1981

Sylvio Mauler
Enviado por Sylvio Mauler em 14/08/2022
Código do texto: T7582039
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